segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Usar os jogos de tabuleiro para tornar as empresas mais criativas

A criatividade vai ser o capital do futuro. As empresas terão sucesso se conseguirem captar o potencial criativo dos seus colaboradores. Mas as fórmulas do passado parecem pouco apropriadas para o conseguir. Temos de encontrar novas estratégias, mais centradas nas pessoas e no que as distingue das máquinas.  


Existem muitas opções para estimular a criatividade, e uma das mais poderosas passa pelo recurso a jogos. Os jogos são motivadores intrínsecos, o que significa que transportam, naturalmente, os jogadores para o chamado “círculo mágico”, num estado de alienação consciente onde é possível potenciar a criatividade e novas formas de estimulação cognitiva e comunicativa para a resolução de problemas. É como se os jogos proporcionassem arenas de treino e ensaio em que podemos planear e testar as mais variadas ideias e estratégias, sem os efeitos negativos e consequências da realidade. É aquele espaço imaginário onde podemos estudar e compreender o comportamento humano, as atitudes, a diversidade e imprevisibilidade, as prioridades e reações interativas perante os sistemas de jogo e as opções dos demais jogadores. No entanto os jogos têm a vantagem de terem em si sistemas de regras que permitem avaliar o desempenho e sucesso, tudo isto enquanto garantem diversão – ou seja, motivação. Por serem divertidos são melhores que as simulações. Os jogos são assim espaços de aprendizagem através da experimentação, são modos de aprender fazendo, mas também de produzir. 

Os jogos digitais dominam, pois são imediatamente estimulantes e podem ser utilizados por muitos jogadores em simultâneo e à distância, em múltiplas plataformas cada vez mais portáteis. No entanto os jogos analógicos, que não deixaram de evoluir, exploram a dimensão inigualável da interação presencial. Neste momento o setor dos jogos de tabuleiro está a crescer acima dos 20% ao ano, com volumes de negócios que se estimam em breve passar dos 10 mi milhões de dólares. Milhões de pessoas jogam os novos designs de jogos de tabuleiro: os “wargames”, os “role play games” e os jogos de hobby de modelo “europeu” e “americano”, convergindo para modelo híbridos em que o refinamento dos sistemas se conjuga com as narrativas e temas envolventes. Mais de 5.000 jogos são publicados anualmente, em contínuos processos de inovação e criatividade, cada vez mais acessíveis. Centenas de milhares de pessoas rumam às convenções de jogos, e nós cá temos a maior de todas em Portugal: a Leiriacon. Temos também uma das comunidades de boardgamers mais ativas do país: os “Boardgamers de Leiria” da associação Asteriscos, que implementam projetos de inovação social e educativa, para além de garantirem o espaço para um público e comunidade florescentes. Temos também por cá duas editoras que exportam jogos: “Whats your game?” e a “Pythagoras”. Tudo isto é altamente inspirador e parece estar a fazer emergir um cluster em Leiria.

Estes novos jogos de tabuleiro são também tendências dos polos tecnológicos e financeiros como Silicon Valley e Wall Streat. A D. Dinis Business School reconhece isto, e tem-me permitido incluir estes jogos como introdução à gamification e serious games na sua oferta formativa. Estas abordagens servem para que os jogos possam ser integrados das atividades das empresas de forma a estimular a criatividade e muitas outras competências necessárias para o sucesso. Tenho desenvolvido este tipo de soluções, em paralelo com as minhas investigações académicas sobre o poder motivador dos jogos, que podemos utilizar como incentivadores à participação, teste de ideias e resolução de problemas, que geram processo de cocriação e planeamento colaborativo. Parece brincadeira, mas estamos a falar de coisas bem sérias, com provas dadas, mas onde existe ainda muito espaço de progressão e desenvolvimento. Imaginem se pudessem trabalhar enquanto se divertem a jogar, gerando de forma intrínseca mais motivação, criatividade e até felicidade no mercado de trabalho.

Nota: texto publicado no "Guia do Empresário de 2019" no jornal Região de Leiria.

domingo, 3 de novembro de 2019

Equilibrar a vida pessoal e familiar com o hobby dos jogos de tabuleiro modernos

Já jogo regularmente jogos de mesa de hobby há uns anos. Joguei várias coisas, tendo começado pelos jogos de cartas colecionáveis por volta de 1996, mais coisa menos coisa. Cheguei a jogar vários mas foi ao Magic: The Gathering (MTG) que me dediquei. O jogo exigia tempo, para conhecer as novas cartas, para desenhar baralhos e testa-los, fazer todo o processo de trocas e negociação, tal como a competição em torneios e afins. Havia uma comunidade de pessoas que se juntavam para jogar mas muito também simplesmente para debater e conversar o hobby em si. Era verdadeiramente um jogo de hobby, apesar de ser desenhado por um autor conhecido (Richard Garfield) e produzido e distribuído por uma grande empresa da área (Wizards of the Coast) na altura. Com isto surgiam novas amizades que concorriam com as demais, momentos de lazer e diversão que obrigavam a fazer opções. Já contei esta historia muitas vezes. Mas serve para introduzir aqui ao tema dos jogos de hobby e para relacionar com um artigo cientifico que li e merece ser referido.


Quando me iniciei nos jogos de tabuleiro modernos, depois de anos a jogar Catan de forma muito causal só mesmo com amigos, apercebi-me da dimensão deste mundo e acabei por adotar a mesma dedicação e abordagem que ao MTG, embora tenho deliberadamente ignorado todo o aspeto competitivo. Estes jogos proporcionavam-me o que sempre goste: uma atividade para animar ajuntamentos de pessoas, aprendizagem, desafios intelectuais, novidades de temas e mecânicas, tal como um colecionismo inegável para mim. Da Leiriacon, aos encontros mensais da Spiel Portugal foi um processo natural e quase casual, com o importante marco que foi a fundação dos Boardgamers de Leiria, então já de forma deliberada e intencional, com a esperança de no futuro haver realmente uma comunidade e hobby forte com condições para prosperar em Leiria. Hoje este hobby é central na minha vida. Sei que isto aconteceu ou irá acontecer com muitos dos potenciais leitores deste texto, quer seja nos vossos jogos em família e amigos, na vossa vertente de colecionador, nos grupos informais ou formais de boardgamers que criaram ou onde participam, no uso de jogos em contextos profissionais ou até como criadores de conteúdos. Mas há mais coisas na vida. Estranho, mas há! Há, acima de tudo, a nossa família e também os amigos, que, tal como já referi, podem entrar em concorrência com esta atividade de hobby. Todos sentimos isto de uma forma ou de outra, mas quando li artigo “Finding Time for Tabletop: Board Game Play and Parenting” que tomei total consciência disto.  

Voltando ao início para relacionar com o artigo. Eu tinha uma vida de (board)gamer antes de iniciar a minha vida profissional, mas também antes de constituir família. E houve um processo contínuo de aprofundamento do envolvimento no hobby e do aumento das responsabilidades familiares, especialmente quando nasceu o segundo filho. Felizmente, mas talvez não por acaso, a minha esposa também gosta de jogar, claramente não tanto quanto eu, mas aprecia bastante também alguns dos meus jogos preferidos, especialmente os eurogames económicos de gestão de recursos e motores de produção, com pouco agressão direta. Aquilo que foi durante algum tempo um passatempo nosso e de alguns amigos mais chegados, transformou-se e transferiu-se, em parte, para uma instituição: os Boardgamers de Leiria, no formato que hoje existe, depois com a participação de muitas mais pessoas que se foram identificando com a ideia. Este projeto começou a exigir cada vez mais tempo e dedicação, tal como a conjugação com a vida familiar, vida profissional e vida académica se complicava cada vez mais. Gerir tudo isto é quase um jogo em si mesmo. Estas vivências são abordadas no artigo que referi anteriormente, pois são situações que muitos gamers vivem. Com o aumento das responsabilidades familiares deixa de haver tempo para os jogos e abrem-se oportunidades para conflitos e frustrações de natureza vária. O artigo relata vários desses casos. Há casos de separações ou de pessoas que deixam o hobby, nem que seja pelo menos em pausa. Mas há casos de compatibilidade, de negociação entre conjugues que conseguem garantir alguma regularidade no hobby. Noutros exemplos há uma transferência, especialmente quando os filhos crescem, para a esfera familiar do tempo dedicado aos jogos. Os principais parceiros de jogo passam a ser os filhos. No entanto, esta solução não está isenta de problemas, porque, enquanto gamers, podemos perder um pouco do que era o nosso espaço individual que nos permitia escapar às rotinas do dia-a-dia. Já conheci gamers que fazem um grande esforço para que os filhos joguem com eles, podendo depois ter o efeito inverso na motivação dos jovens para jogar ao ponto de os saturar e nem quererem ouvir falar de jogos de tabuleiro. Por outro lado, há também quem evite levar os filhos para este mundo, salvaguardando-se da perda do seu espaço individual. Pessoalmente já conheci todo o tipo de casos destes. 

Parece-me que este assunto pode ser relevante, especialmente em Portugal, porque estamos numa fase decisiva do crescimento do hobby. Surgem cada vez mais grupos de boardgamers, autores que tentam criar os seus jogos, criadores de conteúdos e também que pretendam usar os jogos em contexto sério profissional. Tendo em conta que somos muito poucos ainda, apesar do crescente dinamismo, e que alguns destes projetos ainda dependem muito da carolice e obstinação de certas pessoas, se não se conseguir equilibrar a vida no hobby com a vida familiar podemos gerar situações insustentáveis para os envolvidos, que depois não trazem nada de bom para ninguém. Podemos entrar em situações em que pouco ou nada há fazer devido a um processo de autodestruição inconscientes, com vitimas além dos envolvidos num hobby que pode ser muito absorvente. Qual a vossa opinião sobre isto? Será um assunto relevante?

Referência: 
Rogerson, M. J., & Gibbs, M. (2018). Finding time for tabletop: Board game play and parenting. Games and Culture, 13(3), 280-300.

Autor: Micael Sousa

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Uma visita ao boardgame café: A Jogar é que a Gente se Entende

Finalmente consegui ir ao boardgame Café “A Jogar é que a Gente se Entende” (AJeqaGsE). Foi preciso quase um ano para conseguir rumar até Vila do Conde e desfrutar deste magnifico espaço. O AJeqaGsE não é o primeiro boardgame café do país, pois podemos considerar que outros o tenham precedido, como por exemplo o Pow Wow em Lisboa - outro local que ainda estou por visitar. E pelo que me constou há mais uns locais onde se pode jogar que poderiam ser considerados como tal também, mais nuns aspetos que noutros. 


No entanto o AJeqaGsE é uma novidade pelo modo diferente como juntou o jogar e o estar num café, e enquadra-se mais naquilo que encontramos nos boardgame cafés dessa europa fora, presentes em quase todas as grandes cidades. Tendem a ser espaços pensados propositadamente para esse fim, com decoração e ambientes muito próprios, muito descontraídos e confortáveis, onde as pessoas estão no centro do negócio, até mais que os próprios jogos. Nesses espaços ficamos com sensação de que estamos em casa, numa sala de estar de um amigo com bom gosto por decoração de interiores, em que os jogos são elementos participantes do ambiente e decoração. Já fui a vários, especialmente na zona de Paris, e o AJeqaGsE não fica nada atrás deles, muito pelo contrário. Posso dizer, com segurança, que foi dos melhores onde já estive até hoje, tendo estado já em espaços deste tipo em Paris, Barcelona, Bruxelas, Londres, Orleães e Bucareste. De todos o AJeqaGsE foi mesmo aquele onde me senti melhor, mas também se percebe porquê. Em nenhum dos outros conhecia os proprietários e não se falava português, o que facilita muito – temos de admitir. A nossa cultura portuguesa sente-se e ajuda a acolher mesmo de forma passiva. Foi tão fácil encontrar pessoas para fazer uma partida. Apesar de ir sem muito tempo ainda deu para jogar um Via Nebula, com o Vinicius, Rita e Hugo, até então desconhecidos para mim, mas que fiquei imediatamente em ligação através das redes sociais, que é uma facilidade hoje em dia ao dispor da nossa comunidade de hobby – muito importante para nos mantermos ligados a esta paixão pelos jogos. 


Então, no AJeqaGsE vão encontrar uma impressionante oferta de jogos que podem experimentar, com pessoas que vos podem ajudar a jogar. Vão ter comida caseira e diferenciada - o Hamburger que comi estava excelente. Entre bolos e outras bebidas, vão poder provar várias cervejas artesanais – o que para mim é perfeito porque sou um apreciador de cerveja diferenciada. Os preços não são exagerados, porque não se esqueçam que estão a pagar também a experiência, os jogos e todo o conhecimento necessário para que tudo aquilo funcione. Em Portugal temos por hábito desconsiderar essas coisas, mas se não as pagarmos não há projeto que possa sobreviver – está na altura de começar a pagar as coisas imateriais também. É um pouco como a produção de conteúdos sobre jogos de tabuleiro, eles só podem melhorar com apoio dos interessados – porque custa sempre tempo e dinheiro. Quanto ao espaço, o AJeqaGsE não é gigante, é aconchegante e acolhedor, se fosse maior provavelmente perderia esse encanto. No entanto imagino que ter mais mesas pudesse ajudar à sustentabilidade financeira do negócio. A localização parece interessante, embora só lá tenha chegado com GPS, uma vez que não conhecia Vila do Conde. O café insere-se num conjunto urbano à beira mar muito interessante, com um porto e edificado patrimonial muito típico. Mas como era noite não deu para ter uma visão mais ampla. Gostei da nau que por lá atracava e do ambiente naval histórico quando atravessei de carro a cidade, perto do AJeqaGsE. 


Em jeito de resumo, foi muito bom rever a Dina e o Manuel, e conhecer o seu pequeno, no seu ambiente e ver que o seu projeto está a correr bem. Demonstraram-nos que, quando há paixão por algo os projetos podem vingar, que não é só uma questão de acreditar, mas principalmente: de ter conhecimento do que se pretende fazer e da capacidade de planeamento e concretização. Eu diria que isso aprendemos também nos jogos que jogamos. 


autor: Micael Sousa

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

As duas gerações de gamers: antes e depois das redes sociais

Há uma sensação que me foi ficando perante a dinâmica e a comunidade do hobby, mas sobre a qual só agora me pareceu apropriado escrever algo. Parece-me que existem duas gerações de jogadores de hobby em Portugal. Podem existir mais, mas estas duas saltam-me à vista. Tenho a sensação de que existem os gamers que surgiram antes da proliferação das redes sociais e os gamers depois da proliferação destas. Os gamers que usavam o “Abre o Jogo” (AoJ) como principal veículo de comunicação e os que agora usam principalmente as redes sociais, especialmente Facebook. Se o AoJ já não é o que era, como referência, porque o modo de usar a internet mudou, provavelmente os gamers também estão a mudar porque são de outra geração.



Tentando identificar uma data para conseguir separar isto, talvez o ano de 2010 seja uma referência a ter em conta, embora o ano de 2015 também tenha tido alguma importância, pois foi aquela data em que a Leiriacon cresceu e começou a ganhar uma escala maior e a receber mais público que a ela se deslocava por mera curiosidade, para além do ditos gamers mais experientes que continuam a ser os participantes maioritários. Em alguma bibliografia, tal como o livro “It´s all a game: from monopoly to settlers of Catan”, de Tristan Donovan, publicado em 2017, somos levados a concluir que o final da primeira década do século XXI marcou o início de uma era em que os jogos de tabuleiro de hobby ganharam novos públicos, mais abrangentes, disseminados para uma comunidade maior a partir dos polos académicos e tecnológicos. Conhecem-se casos de “Settlers of Catan” ser uma “trend”, uma tendência, em Silicon Valley bastante bem conhecido nesse período de 2009/2010. 

Existem em Portugal gamers com um conhecimento enorme sobre jogos de hobby, de todos os géneros. No entanto, estes gamers, tendencialmente do primeiro período, tendem a interagir pouco nas redes sociais, e assim com os novos gamers. Será que isto é verdade ou é apenas uma perceção pessoal? Partilham desta opinião? Já sentiram isto em algum momento? Eu tenho sentido isso, especialmente como criador de conteúdos. Por vezes fica-me a sensação que sei muito pouco perante outros jogadores de hobby mais antigos. 

Tenho sentido também uma busca crescente por conhecimento por parte dos novos gamers, que me parecem ser mais abertos a interações que os gamers mais antigos, muito embrenhados nas relações pessoais que têm cultivado ao longo dos anos com a comunidade de jogos. Do que tenho percecionado estes gamers mais experientes também são os que vão menos a encontros públicos e mais ficam por casa com os seus encontros privados com outros gamers do seu grupo de jogos. Isto pode ser uma perceção completamente enviesada pela minha experiência pessoal, pois não tenho dados quantitativos para suportar isto, no entanto é algo que deixo para discussão. No entanto, também se vendem muitos jogos para uso de quem não se assume este hobby como uma cultura e elementos de pertença a uma comunidade. Isto aconteceu comigo, quando entre 2002 e 2009/2010 apenas jogava “Settlers of Catan” com amigos, aqueles com quem depois fundamos os Boardgamers de Leiria e faço os vídeos no canal de youtube

Será então que existem mesmo duas gerações de gamers? Se existem como interagem, se é que interagem de todo? Outra coisa que me intriga é que houve alguns projetos de gamers mais antigos de produção de conteúdos que depois pararam de produzir, parecendo não ter acompanhado o crescimento notório do hobby. Com isso esse espaço vazio passou a ser ocupado cada vez mais por gamers da segunda fase. Como são estes novos gamers que comunicam mais com a comunidade de hobby online? Será estamos apenas a passar mensagens de quem está no hobby há pouco tempo? Pode isso ter um efeito na cultura da comunidade, de como ela se vê e identifica? Será que temos duas comunidades e não apenas uma? Haverá tipos de jogos que são mais jogados por uma geração do que por outra? Podem os gamers mais experientes ajudar os novos gamers e novos criadores de conteúdos.

Pessoalmente entrei no hobby um pouco entre estas duas gerações, sendo que já jogava jogos de cartas colecionáveis em meados dos anos 90, e depois fui conhecendo outros pontualmente, mas sem grande abrangência ou profundidade. Por me ter escapado um período temporal grande do hobby também fico com receio de estar a dizer algum tipo de alarvidade quando produzo algum tipo de conteúdo, mas encaro isso como um risco necessário e inevitável do processo de aprendizagem.

Chegando ao fim deste texto, concluso que acabei por deixar muito mais perguntas que respostas. Pode ser que me ajudem a chegar a conclusões, apesar de eu não apreciar muito jogos colaborativos

Autor: Micael Sousa

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Vocês são elitistas e snobs? - Opinião por Micael Sousa

Se és um boardgamer de elite estás a ler isto, provavelmente estás no blogue errado, porque eu nem sei assim tanto de jogos de tabuleiro para estar ao teu nível. Estou a brincar, porque o elitista aqui sou eu, ou pelo menos há quem possa pensar isso. Mas afinal o que é isso dos elitistas nos jogos de tabuleiro? São jogadores que só jogam com determinadas pessoas, só determinados jogos, só com determinadas condições ambientais? São jogadores de sangue azul quer herdaram da sua linhagem o gosto por eurogames ou wargames pesados, 18xx talvez?


Lamento informar-vos, mas vocês são elitistas porque são jogadores de hobby. São elitistas porque jogam jogos de hobby que só os jogadores de hobby os jogam como vocês, como atividade regular de passatempo que vos dá prazer. Tal como vos dá satisfação também vos exige alguma dedicação e foco, mesmo que joguem jogos mais rápidos e simples. Implica sempre algum esforço, aprendizagem e disponibilidade, mais do que despendem os jogadores casuais. Nisto até podem ser colecionares, sendo isso por si só uma atividade.

Em qualquer hobby é normalíssimo que umas pessoas o aprofundem mais que outras, em tempo, dinheiro e conhecimento. Tudo normal, tudo semelhante a tantos outros hobbies. No entanto, no caso do hobby dos jogos de tabuleiro geram-se o fenómeno de snobismo ou elitismo, carregados de conotação negativa. Mas porque será? Não seria de esperar que esse aprofundamento fosse uma coisa boa? Ou seja, os membros dessa elite não deveriam, supostamente, saber mais do assunto, jogar melhores jogos, desfrutar mais deste mundo? Não deveria ser um refinamento positivo? No entanto, parece que não é bem assim, provavelmente porque este hobby entra em constantes conflitos com quem joga de forma casual, podendo jogar alguns jogos de hobby mas sem transformar isso num hobby formal. 

Por isso os boardgame elitistas tendem a desprezar quem apenas joga os jogos mais simples de modo casual e os compara com os produtos mais complexos e desenvolvidos, como se fossem apenas outros jogos. Tal como os jogadores mais casuais, que tendem jogar apenas as coisas mais simples, desprezam que se diverte apenas como os outros jogos mais complexos e longos, aqueles para os quais não têm paciência porque são jogos como os outros que apenas dão mais trabalho a perceber e tempo a jogar. Como ambos os grupos, jogadores de elite e jogadores casuais, tiram prazer da sua forma de jogar, tendem a entrar em conflito. Muitas vezes comparam o incomparável. 

Noutro hobby qualquer, provavelmente porque os desconheço, parece-me não haver esta tendência em ver o aprofundamento no próprio hobby como elitismo negativo. É sempre elitismo, mas parece ser um tipo de elitismo que gera admiração e um exemplo de qualidade. Nos jogos de tabuleiro parece haver uma certa tendência para se tentar diminuir quem opta por ir mais longe, quer seja por ser um grande jogador, um designer, um colecionador ou um organizador de atividades ou produtor de conteúdos. Assim quem se insere na elite tende a humilhar os demais jogadores e quem não atinge os critérios definidos pela elite tende denegrir as elites pelo seu snobismo em retaliação. 

De notar que estes jogos são um hobby porque geram uma comunidade e uma cultura. São então construções sociais, que tendem a replicar outras formas de construção sociais mais antigas e estabelecidas, muitas com hierarquias, valores e níveis de desenvolvimento desiguais. 

Tendo em conta tudo o que tenho investido neste hobby – que até já deixou de ser um mero passatempo - não tenho problema em assumir que isso gera forçosamente algum elitismo em mim. Como poderia ser de outra forma? Ainda para mais quando os jogos de tabuleiro, quando levados mais a sério, tendem a ser associados a desenvolvimento intelectual e cognitivo? Esse elitismo é imposto pela própria sociedade. Quantas vezes me disseram em ações de desenvolvimento e lançamento de projetos de utilização de jogos que isso era uma atividade de elites mesmo sem saberem o nível de complexidade que alguns jogos de tabuleiro contemporâneos atingem, tanto a baixa como a alta complexidade! Já lhes perdi a conta! 

Em jeito de resumo, o que se deve evitar é a arrogância, e tentar explicar o porquê das nossas opções, mais complexas ou não. Isto porque em parte queremos que o hobby cresça, e quem gosta de jogos mais complexos e naturalmente mais difíceis de jogar, tem sempre a esperança de fazer algumas evangelizações. No entanto, na era do politicamente correto, sucumbimos à pressão para dizer o que é certo e neutro, de nos restringirmos até a fazer humor, porque tudo e todos são imensamente suscetíveis, onde se incluem os jogos mais medíocres e seus apaixonados. Da minha parte cá estarei para tentar atingir a elite, mesmo que a elite não me reconheça, ou não vivêssemos na era do pós-modernismo em que cada um se reconfigura como quiser enquanto define os seus monopólios.

Autor: Micael Sousa

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Uma visita à Devir em Barcelona e às lojas locais - Opinião por Micael Sousa

Como o meu ego é pequeno e humilde achei normalíssimo que a Devir me tenha convidado para ir a Barcelona. Pensei – “finalmente a minha genialidade é reconhecida!”. Depois apercebi-me que todos os criadores de conteúdos vídeo sobre jogos de tabuleiro modernos em Portugal, que falam em português, seriam convidados. Então desci à terra… Agora a sério! Achei o convite muito simpático e motivador. Uma honra também porque conheço todos os restantes convidados e estar entre eles é prestigiante. Ao fazer isto a Devir dá-nos um mimo. Podendo ser interpretada por alguns como uma tentativa de nos comprar, o Ricardo teve o cuidado por referir que era um reconhecimento do nosso trabalho nesta área ainda tão informal e alimentado por mera paixão. 


Mas todas as paixões têm de ser alimentadas para não morrerem. O meu receio neste nosso hobby e atividade é que as paixões esmoreçam antes de conseguirmos produzir coisas com real qualidade. Em jeito de autocritica, basta ver os vídeos que fiz há um ano no nosso canal de youtube e ver a diferença perante o que se faz agora. Mais experiência, melhor equipamento, mais noção de como editar. A rede de seguidores crescente gera mais oportunidades de interação que melhoram aquilo que é um conteúdo fruto da comunicação bidirecional. Haver mais pessoas com a disponibilidade para comentar é sinal de que o que se faz está a gerar impacto. 

Então o convite da Devir consistiu em conhecer os escritórios de Barcelona, onde se testam jogos, trata da comunicação, outros aspetos de apoio à atividade da empresa e da criação de conteúdos para os canais de comunicação da Devir na península Ibérica. E foi com esse propósito que lá fui, para participar na Devir News, na apresentação e análise de alguns jogos. De notar que não aprecio todos os jogos de tabuleiro e claro que, logicamente, nem todos os jogos da Devir também. Como não fui eu que escolhi os jogos a abordar haveria sempre o perigo de surgir algum dos que não aprecio. Surgiu um desses, o que obrigou a ainda mais cuidado na análise. Tentei ser isento, reconhecer as caraterísticas e o público-alvo que poderá apreciar o jogo. Depois podem ver o vídeo, se tiverem para aí virados, e tentar adivinhar qual é. Avisei previamente o Ricardo Gomes, que foi o anfitrião desta visita, que não iria dizer que gosto de um jogo somente por isso ser filmado. Ao que o Ricardo me respondeu – “Nem esperávamos outra coisa”. Isto facilita muito, porque se queremos continuar a fazer conteúdos devemos ser coerentes com o nosso estilo de comunicação e preferências. Seria muito estranho se eu recomendasse, por exemplo, jogos do tipo " rolar e mover" (“Roll and Move”) com mais de 50 anos, se é que percebem o que estou a dizer. Com isto não estou a dizer que a minha credibilidade é relevante para o hobby. Claramente não é, estou longe de ter uma importância a esse nível e não creio que os criadores de conteúdos em Portugal já tenham essa capacidade, pois a maioria dos gamers ignora-nos, o que se calhar até é bom para podermos ir crescendo e melhorando. 


Dos escritórios da Devir ficou-me a sensação de um ambiente descontraído e jovem, com jogos em montes por todo o lado, muitos de lançamentos que a editora provavelmente fará no futuro. Impressionou-me a quantidade de títulos de jogos muito conhecidos editados em Espanha, o que remete para a noção de um mercado muito mais desenvolvido que em Portugal, onde se podem editar jogos mais pesados e com mais substância. Espero que Portugal um dia chegue lá. Achei imensa piada aos cartazes de jogos afixados na parede, devidamente protegidos com vidro. Ali os jogos de tabuleiro eram coisas sérias.


Voltando a Barcelona. Lá filmamos o Devir News. Pude também apreciar o Ricardo a trabalhar nos tutoriais. Tirei umas notas para os meus próprios vídeos. Nota-se que há ali uma naturalidade, com algum treino à mistura, para explicar com clareza e sequencia lógica os jogos. Depois fomos dar uma volta por Barcelona. A minha prioridade eram as lojas geeks e de jogos de tabuleiro! Para mim um programa perfeito, e que gosto de fazer depois de conhecer o património e cultura local, que no caso de Barcelona já não era novidade, também porque é uma daquelas cidades que muito falamos nas aulas de planeamento.


Entramos na Jugar x Jugar, que tem uma boa oferta de jogos, com jogos leves, médios e médios pesados. Depois seguimos para a FriQuest, um espaço mais geek, onde de jogos só havia mais de uma dezena de versões do Monopoly. Claramente uma loja que vale por tudo o resto, menos pelos jogos. Depois seguimos para a melhor de todas, para a Karubi Rol & Games. Esta é uma das maiores lojas que vi do género até hoje. Tinha uma oferta muito considerável de jogos, de todos os tipos, complexidades e géneros. No entanto, nem nesta nem na Jugar x Jugar, não se encontravam aquelas preciosidades mais pesadas e raras do mundo do hobby. Provavelmente reflete a realidade do mercado espanhol, mas agora estou apenas a especular. Seja em que sitio do mundo for, não é fácil encontrar lojas com isso. 


No entanto, esta Karubi tinha uma impressionante oferta de jogos e a preços bem simpáticos, ao ponto de ter comprado uma versão especial, com as expansões, do Gold West para mim e uma edição mini do Trier auf Trier para a minha pequena. Para quem não saiba sou uma espécie de colecionar também. Por pouco não veio também o Manhattan Project: Energy Empire, ou não fosse fã de jogos de alocação de trabalhadores, os worker placement. Nessa loja havia também um boardgame café. Como já havíamos andado imenso foi o momento de descansar e jogar. Fizemos uma partida de Honshu, um jogo que tenho há imenso tempo na minha ludoteca para experimentar, e outra de Yantze, editado em Portugal pela Devir com o nome Lanterns, jogo que também nunca tinha experimentado. Não são bem o tipo de jogos que habitualmente levo à mesa, mas naquele contexto eram os jogos perfeitos para jogar. Curiosamente até ganhei a segunda partida ao Ricardo. Fiquei com a ideia que ele me deixou ganhar… 


Saídos da Karubi ainda passamos na loja geek ao lado, pela Norma Comics, que é imensamente grande e com produtos fascinantes no universo geek. Não pude evitar trazer uma t-shirt do Batman. Fazia-se tarde e lá fomos a pé rumo ao mar. Todo este percurso foi muito interessante, pelo ambiente urbano especial de Barcelona, e porque deu para conversar muito com o Ricardo que foi um excelente anfitrião. Falámos de mecânicas de jogos, da realidade nacional e da tendência do desenvolvimento jogos de tabuleiro nos vários países. Fiquei também a saber mais sobre o aspeto competitivo dos jogos de tabuleiro modernos, mundo que ignoro porque sempre me interessou mais a parte social e criativa do hobby. 

Enquanto esperávamos pelo avião tentei pregar uma partida ao Ricardo sobre o Carcassone, mas o rapaz safou-se bem. Acabamos por fazer um abri da caixa do Optimus, que é como quem diz o Ganz schön Clever, na edição portuguesa da Devir. Seguramente que quem estava ao lado achou tudo aquilo bastante estranho.


Aproveito para deixar então o agradecimento à Devir e ao Ricardo Gomes por esta experiência, pela simpatia e total liberdade em que foi realizada esta aventura por Barcelona.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Os criadores de conteúdos e o SPAM! - Opinião por Micael Sousa

Ao analisar os vários canais de Youtube e a produção de conteúdos em vídeo, mas não só, fica-me uma questão de fundo: será que aquilo que fazemos tem alguma relevância? Por termos umas quantas visualizações nos vídeos, que por vezes até podem passar do milhar, como acontece em alguns dos vídeos do Jogos no Tabuleiro – o canal de youtube, podemos ficar tentados a partir do princípio que temos importância. Confesso que sou um bocado cético quanto a isso, pelo menos para já.


Terão vídeos com dezenas de visualizações impacto? Fazem a diferença? Muitos criadores começam e desistem porque não atingem aquilo que imaginavam. Se pensavam em poder ter um saldo positivo entre o que investem e ganham, se é que algum dia podem ganhar algo com isto, podem ter de esperar muito tempo. Não me parece que o mercado esteja ainda nesse ponto. A esmagadora maioria das pessoas não faz ideia de que existem estes jogos. Tenho notado isso em muitas formações que tenho dado, cujos públicos até estão despertos para o uso de jogos em múltiplos contextos. Em todas aproveito para passar questionário, que provavelmente em breve pode dar origem a uma publicação sobre o assunto.

Vou também recebendo mensagens e comentários que são muito importantes para alimentar a motivação. Mas mesmo assim, apesar de ser um bom balsamo para o ego, duvido da força dos conteúdos, dos meus e dos outros. Se não fizermos isto por real paixão será dificil. Se não tivermos disponibilidade de tempo e de dinheiro para os equipamentos e compra de jogos então nada feito, pois as pessoas que até vão seguindo estão sempre a pedir mais qualidade no multimédia e a sugerir analisar o jogo X ou Y. É desta relação que se pode dar o crescimento, embora possa não ser sustentável.

Não faço ideia se com os vídeos e textos influencio alguém ou sequer contribuo para o crescimento da comunidade e do hobby de uma forma relevante, mas com a ânsia de ser visto e lido – que ocorre naturalmente porque todas as pessoas gostam de ver as suas atividades de comunicação reconhecidas – arrisco o spam! E eu faço tanto spam! Tento não fazer, mas como proceder para divulgar sem exagerar? As redes sociais são um dos principais modos de divulgação, especialmente nos grupos de Facebook para a realidade portuguesa. E todas as pessoas que criam conteúdos tentam usar esses canais, que tendem a ficar cheios de links para vídeos, quase sempre sem qualquer interação. Gostava de não ter de recorrer a isso, de existir outra forma de fazer a divulgação. No entanto, quando partilhamos nesses espaços os vídeos ganham imediatamente novas visualizações. Por isso somos impelidos a continuar neste ciclo de spam.

Nós que frequentamos estes espaços online e gostamos de jogos, mas que não gostamos todos dos mesmos jogos e podemos também não gostar de todos os criadores de conteúdos, que tendem a ter abordagens próprias e focarem-se num determinado tipo de jogo, resta-nos bloquear esses criadores?
Provavelmente já fui bloqueado a adicionado a listas a ignorar. No entanto não é essa rejeição que mais me preocupa particularmente, porque provavelmente mereço. O que me incomoda mais é que não exista outra força de partilhar bons conteúdos, porque, mesmo que ainda não tenhamos lá chegado, um dia teremos seguramente bom material online para promover os jogos de tabuleiro ditos modernos em Portugal e em português.

Autor: Micael Sousa

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Sabemos o que são mecânicas de jogos de tabuleiro?

Se há palavra que utilizamos muito quando falamos de jogos de tabuleiro, e pretendemos fazer uma abordagem mais analítica, trata-se do termo "mecânica". Este jogo tem esta mecânica, aquele tem outras. Gosto destas mecânicas e não gosto daquelas. Neste jogo as mecânicas não foram bem implementadas, e naquele não, etc, etc e tal. 

A propósito disso fiz um texto mais formal sobre análise de alguma bibliografia sobre esse assunto para um outro blogue, que podem ver em mais detalhe aqui. Mas em jeito de resumo podemos concluir que a bibliografia e os estudos que se têm deito sobre mecânicas de jogos, quer sejam digitais ou não, depois não coincide com os termos que utilizamos no hobby. Podemos fazer paralelismos, mas por vezes os termos confundem-se. Qual a razão disso?



Por exemplo: a gestão/aquisição de conjuntos (set collection) e o controlo de área (área control) são mecânicas ou objetivos? No hobby usamos estes termos como mecânicas, disso não há dúvida, mas será correto? Em última instância, grande parte das mecânicas são apenas ação seleção, o que nos traz ainda mais problemas de análise. 

A primeira explicação para este fenómeno pode estar relacionada com o simples facto do mundo dos jogos de tabuleiro modernos ainda ser uma área muito experimental sem estruturas formais de investigação e estudo do fenómeno (sem frameworks). Não existem muitas investigações e os designers quase sempre criam os seus jogos de forma empírica, experimental, com base nos conhecimentos que vão recolhendo de forma muito pessoal e, por vezes, pouco ou nada estruturada. A tentativa erro é um dos principais métodos, e mesmo nos jogos mais determinísticos não tenho conhecimento, por exemplo, da aplicação de métodos de otimização, resolução de sistemas e apoio à decisão para construir um jogo equilibrado. Na pratica, no design de jogos de tabuleiro modernos, isso atinge-se por testes reais com utilizadores. Com isto não estou a dizer que tem de se definir um modelo prévio para construir um jogo. Isso seria inviável porque exigiria profundos conhecimentos técnicos, e, provavelmente, porque iria retirar grande parte da diversão e entusiasmo de construir um jogo de forma experimental. Desenhar um jogo dessa forma é quase um jogo em si mesmo. Mas isso é apenas a minha perceção, porque ainda não construi nenhum jogo, apesar de ter simulado alguns com modelos de otimização e estar a entrar formalmente nos "game studies" (estudos dos jogos).

Outra possível razão para haver estas confusão entre mecânicas, que teoricamente são aqueles elementos pelos quais os jogadores interagem com os elementos do jogo, com as regras e com os demais jogadores, pode estar relacionada com a própria natureza dos Jogos de tabuleiro modernos. Estes jogos caracterizam-se por modelos simplificados que tentam simular realidades de forma divertida, reduzindo ao máximo a complexidade mas garantindo profundidade e significado para a dinâmica, que se faz através de componentes físicos, realmente "mecânicos", no sentido clássico do termo. 

Fica então esta primeira reflexão, num texto propositadamente informal, que tem como objetivo gerar debate e recolher mais opiniões e perceções entre a comunidade do hobby. 

Autor: Micael Sousa

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Andar a incomodar os outros com jogos de tabuleiro - opinião por Micael Sousa

Há coisas irritantes, são tantas que este texto podia levar a qualquer lado. Mas como aqui o foco são os jogos de tabuleiro, é nisso que me vou centrar. E é também esse excesso de foco e centralização de atenção que me impele a escrever este texto. 


Este passatempo dos jogos de tabuleiro modernos pode ser excessivamente imersivo. Podemos facilmente cair no excesso, especialmente quando ao hobby associamos outras coisas: intervenção social, voluntariado e até oportunidades profissionais. O problema é mais grave surge quando não nos damos conta disto. Podemos facilmente só pensar e falar nisto. Depois os outros que nos aturem. A situação torna-se ainda mais caricata e gravosa, devido às características dos próprios jogos, porque não são do conhecimento geral e existem muitas ideias pré-concebidas erradas. A maioria das restantes pessoas não fazem ideia do que são estes jogos. 

Como os jogos de tabuleiro modernos fascinam quem os aprecia, é assim com quase todos os passatempos. São altamente imersivos na dinâmica de jogo e na comunidade que criam. Neste caso, porque são atividades sociais, somos impelidos a evangelizar. Mas isso pode tornar-nos chatos, aborrecidos e até insuportáveis para os outros não jogadores de mesa. 

Por vezes fico com a sensação de que falo demais sobre jogos de tabuleiro. É um risco constante estar sempre a falar deles, e tentar metê-los e aplicá-los a múltiplos, projetos e situações. Consegui fazer coisas surpreendentes, que jamais imaginei há uns anos. No entanto fica-me sempre aquela sensação de estar a ser um grande chato. Já sentiram isso alguma vez?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Porque devemos ter mais jogos do que aqueles que conseguimos jogar - Opinião por Micael Sousa

Uma das discussões recorrentes entre o hobby de jogos de tabuleiro consiste em definir a quantidade de jogos que devemos ter. Aqui no blogue já abordei também essa questão, era inevitável. Tendo refletido sobre isso chegou o momento de deixar aqui o que fui constatando, e também muito pelas por analogias que se podem fazer com a acumulação de livros. São muitas as pessoas, tal como eu, que acumulam muitos mais jogos do que aqueles podem efetivamente jogar. Tal como nos livros, estas nossas ludotecas privadas, relacionam-se com a nossa personalidade e, apesar de poder ser desesperante não jogar tudo o que temos, isso pode ser altamente motivacional. É um paradoxo? Mas sejamos mais em profundidade essa questão, andando sempre com o paralelismo aos livros de perto.


Acumulamos muitos livros porque podem ser ferramentas de pesquisa e simbolizam a nossa pequenez perante todo o conhecimento que jamais poderemos aceder. Simboliza também a nossa aspiração a querer saber mais. Acumulamos jogos porque nos fascinam e queremos experimentar sempre as novas dinâmicas, mecânicas, sensações e mundos imaginários para onde nos transportam, quase sempre de forma coletiva. Os jogos são igualmente formas de conhecimento. Habitualmente não pesquisamos através dos jogos, mas podemos querer encontrar na nova experiência ou no jogo já conhecido, o renovar da emoção que nos proporciona, já para não falar no potencial que os jogos têm como ferramentas “sérias”. Ao acumularmos jogos temos a esperança de os jogar um dia, de viver mais tempo para cumprir esse objetivo. Pode ser desmotivante mão jogar este ou aquele jogo em particular, mas se continuarmos a preservar esses jogos sabemos que eles estarão lá à nossa espera, com a promessa de nos dar felicidade. A promessa da felicidade é um capital valiosíssimo, uma expetativa que nos faz suportar a vida. Ou não será assim? Vivemos o momento, mas queremos que os próximos sejam tão bons ou melhores. 

No meu caso acumulo jogos porque gosto de os estudar também. Será seguramente um caso mais raro de utilidade, mas deve também ser considerado. Quem gosta de algo tende a querer saber mais sobre essa área de atividade, lazer ou passatempo. Afinal talvez seja assim para tudo.

Se estiverem rodeados de jogos, especialmente dos jogos de tabuleiro dos novos designs – a que chamamos modernos – muito provavelmente também poderão estar rodeados de pessoas. Se não estão podem vir a estar, pois são apetecíveis ferramentas de sociabilização, apropriadas para a intimidade relacional e afetiva. E essas pessoas não serão umas pessoas quaisquer, serão aquelas com as quais querem privar e partilhar o vosso prazer, tal como as vossas emoções. As mesas são locais de partilha, potenciados pelo que sai da prateleira, da nossa ludoteca, o nosso tesouro neste hobby. 

Por tudo isso, e por outras coisas que eventualmente ficam ocultas neste jogo da vida, vou continuar a acumular jogos.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O paradoxo do virtual nos jogos presenciais: lojas e debates - Opinião por Micael Sousa

Uma das coisas que nos leva a gostar de jogar jogos de tabuleiro é ser uma atividade que fazemos presencialmente. Trata-se de um ato material de estar com outras pessoas, normalmente em torno de uma mesa, a mexer em componentes, participando no jogo. O frente a frente e a experimentação na primeira pessoa têm uma imensa importância, não há como o negar. No entanto, nem sempre realizamos outras dimensões que podemos associar ao meta jogo presencialmente, áquilo que está para além dos jogos propriamente ditos. 


Vamos a exemplos. Um dos mais paradigmáticos consiste na compra de jogos e no prazer que daí advém. Muitos de nós compramos os jogos online. Ou seja, dispensamos as lojas físicas na compra de jogos que se caraterizam por permitirem experiências físicas presenciais. É no mínimo paradoxal. Pessoalmente adoro ir a lojas de jogos de tabuleiro, apesar de comprar muitos jogos em lojas virtuais. Visito lojas mesmo que não compre nada, embora isso nem sempre é fácil de conseguir. Em Portugal não existem muitas lojas de grandes dimensões e com variedade considerável, menos ainda perto do local onde vivo. Ainda assim, costumo ir à FNAC de Leiria e sempre que estou em Coimbra à Diver. Por isso, sempre que visito outros países, especialmente em grandes cidades, aproveito para procurar as lojas locais. Uma das lojas que mais me surpreendeu pela qualidade e variedade foi o Red Goblin em Bucareste. Mas aquelas onde vou mesmo com muita frequência são as de Paris. São tantas e algumas tão perto umas das outras que é possível fazer roteiros de lojas, tal como este que fiz aqui para o blogue. Assim fica-me uma primeira dúvida. Será que os apaixonados por jogos de tabuleiro também retiram prazer da compra presencial dos seus jogos? Procurar jogos novos numa estante, mexer nas caixas para mim é um prazer, tal como meter conversa com os lojistas. E vocês, gostam disso, acham relevante?

Outro aspeto que se torna muitas vezes paradoxal são as plataformas em que decorrem as discussões e divulgação de jogos. Quem desconhece este hobby pensa que temos alguma aversão às tecnologias digitais. Muito pelo contrário. O Hobby dos jogos de tabuleiro modernos, de cartas, miniaturas e afins tem-se desenvolvido imenso nos últimos anos pelas possibilidades das tecnologias de informação e comunicação, criando o verdadeiro efeito de sociedade em rede que escapa às limitações territoriais e às longas distâncias. Muitos de nós adoram escrever, discutir e até produzir conteúdos multimédia sobre jogos, mas depois gostamos de jogar presencialmente e com componentes físicos. Eu sou um deles. O recurso aqui às tecnologias digitais pode ser semelhante ao que acontece com as lojas virtuais. Recorremos a essas plataformas por serem mais fáceis, baratas ou por não termos outras possibilidades de as fazer presencialmente. De certeza que apreciam também uma boa conversa presencial sobre jogos de tabuleiro, ou estarei enganado?

Fica aqui a reflexão e a dúvida final: mais alguém sentiu na pele estes paradoxos?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Como transportar jogos de tabuleiro: sacos e malas problemáticos - Opinião por Micael Sousa

Mesmo que joguem a maioria das vezes em vossa casa, mais tarde ou mais cedo vão precisar de transportar jogos. Se quiserem levar mais que duas caixas ficam, eventualmente, com um problema em mãos, …literalmente. Vão ter de arranjar um saco à maneira. 


Sobre os sacos e jogos de tabuleiro, há uma tendência para utilizar sacos de estabelecimentos comerciais já reforçados para cargas e onde os formatos de paralelepípedos retangulares já encaixam bem. Sacos do IKEA e de hipermercados, aqueles de plástico impermeável a imitar tecido com pegas costumam ser muito populares. No entanto têm os seus problemas. Se os levarem no carro viram-se com facilidade, e se estiver a chover é um problema, pois a chuva entra na mesma. Ninguém quer ter os jogos perto de qualquer humidade, pois fragiliza imenso as caixas, acelerando o seu processo de destruição com o tempo. 

Já pensei em usar malas de viagem, das mais pequenas, das que levamos nas cabines dos aviões. Mas nem todos os jogos cabem lá dentro, e dificilmente cabem mais de dois. Ou então levar uma das malas maiores, mas depois são tão grandes que também não facilitam nada o transporte, embora protejam dos elementos e dos impactos físicos. 

Existem algumas malas feitas propositadamente para transporte de jogos de tabuleiro. No entanto são tão dispendiosas que não conheço pessoalmente ninguém que tenha uma. Quando os valores passam facilmente da centena de euros, qualquer jogador começa logo a fazer contas a quantos jogos comprava com aquele montante. Por outo lado, já vi algumas pessoas com malas dessas em convenções nacionais de jogos, e, sinceramente, ficavam algo ridículos, por serem desproporcionais.
Assim, não vejo nenhuma boa solução para este problema. Como solucionam isto, qual a vossa técnica para transportar jogos facilmente entre encontros de jogos fora de casa?
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