sexta-feira, 20 de setembro de 2019

As duas gerações de gamers: antes e depois das redes sociais

Há uma sensação que me foi ficando perante a dinâmica e a comunidade do hobby, mas sobre a qual só agora me pareceu apropriado escrever algo. Parece-me que existem duas gerações de jogadores de hobby em Portugal. Podem existir mais, mas estas duas saltam-me à vista. Tenho a sensação de que existem os gamers que surgiram antes da proliferação das redes sociais e os gamers depois da proliferação destas. Os gamers que usavam o “Abre o Jogo” (AoJ) como principal veículo de comunicação e os que agora usam principalmente as redes sociais, especialmente Facebook. Se o AoJ já não é o que era, como referência, porque o modo de usar a internet mudou, provavelmente os gamers também estão a mudar porque são de outra geração.



Tentando identificar uma data para conseguir separar isto, talvez o ano de 2010 seja uma referência a ter em conta, embora o ano de 2015 também tenha tido alguma importância, pois foi aquela data em que a Leiriacon cresceu e começou a ganhar uma escala maior e a receber mais público que a ela se deslocava por mera curiosidade, para além do ditos gamers mais experientes que continuam a ser os participantes maioritários. Em alguma bibliografia, tal como o livro “It´s all a game: from monopoly to settlers of Catan”, de Tristan Donovan, publicado em 2017, somos levados a concluir que o final da primeira década do século XXI marcou o início de uma era em que os jogos de tabuleiro de hobby ganharam novos públicos, mais abrangentes, disseminados para uma comunidade maior a partir dos polos académicos e tecnológicos. Conhecem-se casos de “Settlers of Catan” ser uma “trend”, uma tendência, em Silicon Valley bastante bem conhecido nesse período de 2009/2010. 

Existem em Portugal gamers com um conhecimento enorme sobre jogos de hobby, de todos os géneros. No entanto, estes gamers, tendencialmente do primeiro período, tendem a interagir pouco nas redes sociais, e assim com os novos gamers. Será que isto é verdade ou é apenas uma perceção pessoal? Partilham desta opinião? Já sentiram isto em algum momento? Eu tenho sentido isso, especialmente como criador de conteúdos. Por vezes fica-me a sensação que sei muito pouco perante outros jogadores de hobby mais antigos. 

Tenho sentido também uma busca crescente por conhecimento por parte dos novos gamers, que me parecem ser mais abertos a interações que os gamers mais antigos, muito embrenhados nas relações pessoais que têm cultivado ao longo dos anos com a comunidade de jogos. Do que tenho percecionado estes gamers mais experientes também são os que vão menos a encontros públicos e mais ficam por casa com os seus encontros privados com outros gamers do seu grupo de jogos. Isto pode ser uma perceção completamente enviesada pela minha experiência pessoal, pois não tenho dados quantitativos para suportar isto, no entanto é algo que deixo para discussão. No entanto, também se vendem muitos jogos para uso de quem não se assume este hobby como uma cultura e elementos de pertença a uma comunidade. Isto aconteceu comigo, quando entre 2002 e 2009/2010 apenas jogava “Settlers of Catan” com amigos, aqueles com quem depois fundamos os Boardgamers de Leiria e faço os vídeos no canal de youtube

Será então que existem mesmo duas gerações de gamers? Se existem como interagem, se é que interagem de todo? Outra coisa que me intriga é que houve alguns projetos de gamers mais antigos de produção de conteúdos que depois pararam de produzir, parecendo não ter acompanhado o crescimento notório do hobby. Com isso esse espaço vazio passou a ser ocupado cada vez mais por gamers da segunda fase. Como são estes novos gamers que comunicam mais com a comunidade de hobby online? Será estamos apenas a passar mensagens de quem está no hobby há pouco tempo? Pode isso ter um efeito na cultura da comunidade, de como ela se vê e identifica? Será que temos duas comunidades e não apenas uma? Haverá tipos de jogos que são mais jogados por uma geração do que por outra? Podem os gamers mais experientes ajudar os novos gamers e novos criadores de conteúdos.

Pessoalmente entrei no hobby um pouco entre estas duas gerações, sendo que já jogava jogos de cartas colecionáveis em meados dos anos 90, e depois fui conhecendo outros pontualmente, mas sem grande abrangência ou profundidade. Por me ter escapado um período temporal grande do hobby também fico com receio de estar a dizer algum tipo de alarvidade quando produzo algum tipo de conteúdo, mas encaro isso como um risco necessário e inevitável do processo de aprendizagem.

Chegando ao fim deste texto, concluso que acabei por deixar muito mais perguntas que respostas. Pode ser que me ajudem a chegar a conclusões, apesar de eu não apreciar muito jogos colaborativos

Autor: Micael Sousa

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Vocês são elitistas e snobs? - Opinião por Micael Sousa

Se és um boardgamer de elite estás a ler isto, provavelmente estás no blogue errado, porque eu nem sei assim tanto de jogos de tabuleiro para estar ao teu nível. Estou a brincar, porque o elitista aqui sou eu, ou pelo menos há quem possa pensar isso. Mas afinal o que é isso dos elitistas nos jogos de tabuleiro? São jogadores que só jogam com determinadas pessoas, só determinados jogos, só com determinadas condições ambientais? São jogadores de sangue azul quer herdaram da sua linhagem o gosto por eurogames ou wargames pesados, 18xx talvez?


Lamento informar-vos, mas vocês são elitistas porque são jogadores de hobby. São elitistas porque jogam jogos de hobby que só os jogadores de hobby os jogam como vocês, como atividade regular de passatempo que vos dá prazer. Tal como vos dá satisfação também vos exige alguma dedicação e foco, mesmo que joguem jogos mais rápidos e simples. Implica sempre algum esforço, aprendizagem e disponibilidade, mais do que despendem os jogadores casuais. Nisto até podem ser colecionares, sendo isso por si só uma atividade.

Em qualquer hobby é normalíssimo que umas pessoas o aprofundem mais que outras, em tempo, dinheiro e conhecimento. Tudo normal, tudo semelhante a tantos outros hobbies. No entanto, no caso do hobby dos jogos de tabuleiro geram-se o fenómeno de snobismo ou elitismo, carregados de conotação negativa. Mas porque será? Não seria de esperar que esse aprofundamento fosse uma coisa boa? Ou seja, os membros dessa elite não deveriam, supostamente, saber mais do assunto, jogar melhores jogos, desfrutar mais deste mundo? Não deveria ser um refinamento positivo? No entanto, parece que não é bem assim, provavelmente porque este hobby entra em constantes conflitos com quem joga de forma casual, podendo jogar alguns jogos de hobby mas sem transformar isso num hobby formal. 

Por isso os boardgame elitistas tendem a desprezar quem apenas joga os jogos mais simples de modo casual e os compara com os produtos mais complexos e desenvolvidos, como se fossem apenas outros jogos. Tal como os jogadores mais casuais, que tendem jogar apenas as coisas mais simples, desprezam que se diverte apenas como os outros jogos mais complexos e longos, aqueles para os quais não têm paciência porque são jogos como os outros que apenas dão mais trabalho a perceber e tempo a jogar. Como ambos os grupos, jogadores de elite e jogadores casuais, tiram prazer da sua forma de jogar, tendem a entrar em conflito. Muitas vezes comparam o incomparável. 

Noutro hobby qualquer, provavelmente porque os desconheço, parece-me não haver esta tendência em ver o aprofundamento no próprio hobby como elitismo negativo. É sempre elitismo, mas parece ser um tipo de elitismo que gera admiração e um exemplo de qualidade. Nos jogos de tabuleiro parece haver uma certa tendência para se tentar diminuir quem opta por ir mais longe, quer seja por ser um grande jogador, um designer, um colecionador ou um organizador de atividades ou produtor de conteúdos. Assim quem se insere na elite tende a humilhar os demais jogadores e quem não atinge os critérios definidos pela elite tende denegrir as elites pelo seu snobismo em retaliação. 

De notar que estes jogos são um hobby porque geram uma comunidade e uma cultura. São então construções sociais, que tendem a replicar outras formas de construção sociais mais antigas e estabelecidas, muitas com hierarquias, valores e níveis de desenvolvimento desiguais. 

Tendo em conta tudo o que tenho investido neste hobby – que até já deixou de ser um mero passatempo - não tenho problema em assumir que isso gera forçosamente algum elitismo em mim. Como poderia ser de outra forma? Ainda para mais quando os jogos de tabuleiro, quando levados mais a sério, tendem a ser associados a desenvolvimento intelectual e cognitivo? Esse elitismo é imposto pela própria sociedade. Quantas vezes me disseram em ações de desenvolvimento e lançamento de projetos de utilização de jogos que isso era uma atividade de elites mesmo sem saberem o nível de complexidade que alguns jogos de tabuleiro contemporâneos atingem, tanto a baixa como a alta complexidade! Já lhes perdi a conta! 

Em jeito de resumo, o que se deve evitar é a arrogância, e tentar explicar o porquê das nossas opções, mais complexas ou não. Isto porque em parte queremos que o hobby cresça, e quem gosta de jogos mais complexos e naturalmente mais difíceis de jogar, tem sempre a esperança de fazer algumas evangelizações. No entanto, na era do politicamente correto, sucumbimos à pressão para dizer o que é certo e neutro, de nos restringirmos até a fazer humor, porque tudo e todos são imensamente suscetíveis, onde se incluem os jogos mais medíocres e seus apaixonados. Da minha parte cá estarei para tentar atingir a elite, mesmo que a elite não me reconheça, ou não vivêssemos na era do pós-modernismo em que cada um se reconfigura como quiser enquanto define os seus monopólios.

Autor: Micael Sousa
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...