quinta-feira, 30 de julho de 2020

O medo de ficar de fora nos Jogos de Tabuleiro

Como empresas que são, as editoras sabem explorar alguns dos nossos medos mais profundos. Um deles é o “medo de ficar de fora”, ou em inglês “Fear of Missing Out” (FOMO). Quando as editoras, especialmente as de maior dimensão e notoriedade, começaram a apostar fortemente em marketing este fenómeno cresceu. 


O Kickstarter (KS) ajudou ao processo, de uso de técnicas para nos cativar, oferecendo opções e produtos que dificilmente depois podemos adquirir. Temos os casos das edições de jogos que só passam pelo Kickstarter e os outros cuja edição (KS) é substancialmente diferente das versões que vão estar em loja, quer nos componentes quer em algumas adições e expansões que melhoram o jogo. Tudo isto parece ser feito para nos “obrigar” a comprar naquele momento, devido ao receio de estarmos a perder um produto único, que depois pode ficar mais caro ou totalmente indisponível. 

Já dei por mim a comprar com ânsia jogos que depois ficam parados na prateleira anos. Ao fenómeno do medo de ficar de fora junta-se o “colecionismo”. Reunir extensas coleções de jogos analógicos é uma tendência natural. Para muitos de nós fascina-nos a materialidade do jogo, e com isso vem o prazer de saber que os temos, mesmo que não os consigamos jogar. Trata-se do valor de posse, que pode ser um valor por si só suficiente para comprarmos um jogo. Por vezes coincide com o valor de jogar, outras vezes funciona como uma espécie de investimento. Há também quem guarde jogos para vender depois, especialmente quando os guardam intactos. 

Mas este investimento que refiro, na perspetiva do colecionar, prende-se mais com outro estado psicológico associado ao hobby dos jogos: o de ter na nossa coleção algo que pensamos que nos será útil no futuro. Entra novamente em jogo o medo de ficar de fora. Isto pode parecer absurdo, mas não é. Há aqui um equilibro que só se atinge com alguma maturidade e experiencia os jogos de hobby, embora dada a erros. Se já me arrependi de alguns jogos que comprei penso que me arrependi mais dos que não comprei e que hoje não consigo aceder. Se é verdade que um iniciante no hobby dos jogos de tabuleiro terá uma tendência para comprar tudo o que aparecer pela frente, pois tudo parece novo e fantástico, os jogadores mais experientes tendem a controlar esses impulsos. Existe muitos jogos bons a serem publicados todos os anos, mas há muitos que são “parecidos”. 

A vantagem de comprar alguns jogos mesmo que estejamos com dúvidas é que temos sempre aos nosso dispor um mercado de usados dinâmico, embora se perca algum dinheiro. Por isso, havendo dinheiro disponível, alguns jogos são realmente imperdíveis. Cada vez que me lembro de ter na mão a expansão “German Railroads” para o “Russian Railroads” e de não ter comprado pro achar que o podia fazer depois penso neste fenómeno. Hoje essa expansão está esgotadíssima e sem perspetivas de ser editada, com as cópias existentes a atingirem os 200€ no mercado de usados. Mesmo longe do Kickstarter, isto acontece em alguns jogos e nem precisam de ser muito antigos. Por serem objetos físicos a sua disponibilidade é sempre limitada, e não se “copiam” facilmente como os jogos digitais. Jogos como os da Splotter sofrem desse fenómeno, embora ai pareça ser algo mais intencional. Poucas edições, esgotar do stock novo instantaneamente e escalada de preços no mercado de usados. 

Com a experiência vamos desenvolvendo esta capacidade de avaliar que jogos devemos comprar e quais podemos passar. No entanto nada garante que percamos realmente boas oportunidades. O medo de estar de fora é permanente, mesmo para os mais experientes. 

autor: Micael Sousa
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