segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Vocês são elitistas e snobs? - Opinião por Micael Sousa

Se és um boardgamer de elite estás a ler isto, provavelmente estás no blogue errado, porque eu nem sei assim tanto de jogos de tabuleiro para estar ao teu nível. Estou a brincar, porque o elitista aqui sou eu, ou pelo menos há quem possa pensar isso. Mas afinal o que é isso dos elitistas nos jogos de tabuleiro? São jogadores que só jogam com determinadas pessoas, só determinados jogos, só com determinadas condições ambientais? São jogadores de sangue azul quer herdaram da sua linhagem o gosto por eurogames ou wargames pesados, 18xx talvez?


Lamento informar-vos, mas vocês são elitistas porque são jogadores de hobby. São elitistas porque jogam jogos de hobby que só os jogadores de hobby os jogam como vocês, como atividade regular de passatempo que vos dá prazer. Tal como vos dá satisfação também vos exige alguma dedicação e foco, mesmo que joguem jogos mais rápidos e simples. Implica sempre algum esforço, aprendizagem e disponibilidade, mais do que despendem os jogadores casuais. Nisto até podem ser colecionares, sendo isso por si só uma atividade.

Em qualquer hobby é normalíssimo que umas pessoas o aprofundem mais que outras, em tempo, dinheiro e conhecimento. Tudo normal, tudo semelhante a tantos outros hobbies. No entanto, no caso do hobby dos jogos de tabuleiro geram-se o fenómeno de snobismo ou elitismo, carregados de conotação negativa. Mas porque será? Não seria de esperar que esse aprofundamento fosse uma coisa boa? Ou seja, os membros dessa elite não deveriam, supostamente, saber mais do assunto, jogar melhores jogos, desfrutar mais deste mundo? Não deveria ser um refinamento positivo? No entanto, parece que não é bem assim, provavelmente porque este hobby entra em constantes conflitos com quem joga de forma casual, podendo jogar alguns jogos de hobby mas sem transformar isso num hobby formal. 

Por isso os boardgame elitistas tendem a desprezar quem apenas joga os jogos mais simples de modo casual e os compara com os produtos mais complexos e desenvolvidos, como se fossem apenas outros jogos. Tal como os jogadores mais casuais, que tendem jogar apenas as coisas mais simples, desprezam que se diverte apenas como os outros jogos mais complexos e longos, aqueles para os quais não têm paciência porque são jogos como os outros que apenas dão mais trabalho a perceber e tempo a jogar. Como ambos os grupos, jogadores de elite e jogadores casuais, tiram prazer da sua forma de jogar, tendem a entrar em conflito. Muitas vezes comparam o incomparável. 

Noutro hobby qualquer, provavelmente porque os desconheço, parece-me não haver esta tendência em ver o aprofundamento no próprio hobby como elitismo negativo. É sempre elitismo, mas parece ser um tipo de elitismo que gera admiração e um exemplo de qualidade. Nos jogos de tabuleiro parece haver uma certa tendência para se tentar diminuir quem opta por ir mais longe, quer seja por ser um grande jogador, um designer, um colecionador ou um organizador de atividades ou produtor de conteúdos. Assim quem se insere na elite tende a humilhar os demais jogadores e quem não atinge os critérios definidos pela elite tende denegrir as elites pelo seu snobismo em retaliação. 

De notar que estes jogos são um hobby porque geram uma comunidade e uma cultura. São então construções sociais, que tendem a replicar outras formas de construção sociais mais antigas e estabelecidas, muitas com hierarquias, valores e níveis de desenvolvimento desiguais. 

Tendo em conta tudo o que tenho investido neste hobby – que até já deixou de ser um mero passatempo - não tenho problema em assumir que isso gera forçosamente algum elitismo em mim. Como poderia ser de outra forma? Ainda para mais quando os jogos de tabuleiro, quando levados mais a sério, tendem a ser associados a desenvolvimento intelectual e cognitivo? Esse elitismo é imposto pela própria sociedade. Quantas vezes me disseram em ações de desenvolvimento e lançamento de projetos de utilização de jogos que isso era uma atividade de elites mesmo sem saberem o nível de complexidade que alguns jogos de tabuleiro contemporâneos atingem, tanto a baixa como a alta complexidade! Já lhes perdi a conta! 

Em jeito de resumo, o que se deve evitar é a arrogância, e tentar explicar o porquê das nossas opções, mais complexas ou não. Isto porque em parte queremos que o hobby cresça, e quem gosta de jogos mais complexos e naturalmente mais difíceis de jogar, tem sempre a esperança de fazer algumas evangelizações. No entanto, na era do politicamente correto, sucumbimos à pressão para dizer o que é certo e neutro, de nos restringirmos até a fazer humor, porque tudo e todos são imensamente suscetíveis, onde se incluem os jogos mais medíocres e seus apaixonados. Da minha parte cá estarei para tentar atingir a elite, mesmo que a elite não me reconheça, ou não vivêssemos na era do pós-modernismo em que cada um se reconfigura como quiser enquanto define os seus monopólios.

Autor: Micael Sousa

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