sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Como o GEST levou os jogos de tabuleiro modernos ao Hospital Dona Estefânia: Uma experiência de voluntariado na área dos jogos de mesa

Contar a história do projecto Jogos ao Serviço necessita de algum contexto, principalmente no que toca ao grupo que começou o projecto, o GEST.

O GEST, Grupo de Estratégia, Simulação e Táctica é o grupo de jogos de mesa, tabuleiro e miniaturas do Instituto Superior Técnico, aliás funciona como secção autónoma da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico, sendo não só uma das mais antigas secções autónomas da AEIST, como um dos mais antigos grupos de jogos de Lisboa.


A dinâmica do GEST foi sempre variando ao longo dos anos, entre períodos de quase inactividade, até à organização bem sucedida de convenções de cultura popular de média dimensão. Na altura em que o projecto Jogos ao Serviço começou, o GEST tinha começado a organizar encontros de jogos de tabuleiro semanais no Técnico, com uma afluência regular média, chegando a encher duas salas, entre jogos de tabuleiro e RPGs. Na altura tentávamos descobrir novas formas de divulgar as actividades do GEST e o hobby dos jogos de mesa em geral. Foi então que, enquanto pensava sobre o assunto, me deparei com uma publicação no Facebook que assinalava uma data importante para a Operação Nariz Vermelho e a partir daí as ideias começaram a encaixar e a transformar-se num plano. Entrámos em contacto com o Hospital Pediátrico Dona Estefânia, por estar geograficamente próximo do Técnico, recordo-me especialmente do formulário de contacto ter uma extrema limitação de caracteres, foi um desafio explicar o que queríamos fazer em poucas palavras, mas pouco tempo depois tínhamos uma resposta interessada da parte do Gabinete de Comunicação do Hospital e a oportunidade de explicar o que queríamos fazer.  Nas comunicações e reuniões seguintes, a direção do GEST e o gabinete estabeleceram os objectivos da parceria. Iriamos uma vez por semana, à ala dos adolescentes do Hospital, ensinar e jogar jogos de tabuleiro modernos com os pacientes que estivessem presentes e interessados. Todo este trabalho foi feito em conjunto com o Tiago Serra, o Carlos Branco e mais tarde o Rafael Pereira, todos eles integrantes da direção do GEST. O Tiago Serra foi sempre o mais ambicioso nos jogos que propunha jogar nas sessões, o Rafael Pereira deu sempre uma dinâmica de ambição e tentativa de levar o projecto um pouco mais longe, o Carlos Branco teve sempre um enorme entusiasmo por levar o projecto adiante. Após alguma troca de ideias, chegámos ao nome "Jogos ao Serviço ", numa perspectiva quase religiosaa da palavra Serviço. 


As primeiras sessões foram bastante bem sucedidas. Houve adesão por parte de pacientes, visitantes e profissionais de saúde presentes. Ao longo dos meses seguintes fomos solidificando o projecto com orientação da direção do Gabinete de Comunicação e recrutando novos participantes. Foram muitos os jogos jogados e partilhados naquela ala, alguns deles das nossas coleções pessoais, outros, cedidos pela então Torre de Jogos, outros ainda da, na altura limitada, ludoteca do próprio GEST. Os critérios de escolha foram jogos curtos, fáceis de ensinar e preferencialmente que pudessem ser jogados por um mínimo de duas pessoas. Carcassone, Ticket to Ride, Ponte para El Dorado, Catan, Codenames, Trench, Abalone, Kamisado, Nutriventures , Saboteur, entre muitos outros. Destes, destaco o Carcassone, cuja simplicidade e versatilidade sempre foi uma mais valia neste contexto. 

O projecto foi um esforço colectivo e foi enquanto se manteve como tal foi bem sucedido. Os objectivos iniciais eram simples e directos e tínhamos os meios para os cumprir. Jogos, pessoas e tempo. Mais tarde começámos a recrutar mais voluntários e alguns deles garantiram várias sessões. O Jorge Rosa Alves, o Artur Alves, a Ana Miguens, a Carolina Pereira e a Cristina Alves foram incansáveis a aprender os jogos, a participar nas sessões e no cumprimento de todas as regras que o Hospital nos solicitava.

Durante as sessões interagimos sempre de forma construtiva com outros voluntários presentes no espaço e também com a professora que estava responsável pelo acompanhamento escolar dos pacientes de estadias mais longas. Muitas vezes, familiares e acompanhantes dos pacientes juntavam-se aos jogos e até algumas vezes, jogámos jogos propostos pelos presentes.

Ao longo do projecto levámos o hobby a dezenas, talvez centenas, de crianças de diferentes idades, origens, classes sociais e raças, providenciamos entretenimento com interactividade numa situação que para muitas destas crianças e adolescentes era crítica, mostrando a muitas dessas crianças, jogos que nunca tinham conhecido antes. 

O projecto acabou por terminar por um conjunto de diferentes razões. A mobilização dos voluntários não chegou ao ponto de dar ao projecto uma capacidade de continuar por si só. Na fase final, em grande parte por falha própria, já era um número reduzido de pessoas a garantir a maioria das sessões, o que não permitiu uma renovação geracional efectiva no projecto.

Ficou a experiência de ajudar aquelas crianças e adolescentes a ultrapassar um pouco melhor algumas das horas do seu internamento, a experiência de encetar uma colaboração institucional frutífera quase a custo zero e a oportunidade de, ao longo das nossas semanas de aulas e mais tarde, trabalho, termos algo que nos proporcionava uma enorme realização pessoal.


Autor: Saúl Pereira


quinta-feira, 30 de julho de 2020

O medo de ficar de fora nos Jogos de Tabuleiro

Como empresas que são, as editoras sabem explorar alguns dos nossos medos mais profundos. Um deles é o “medo de ficar de fora”, ou em inglês “Fear of Missing Out” (FOMO). Quando as editoras, especialmente as de maior dimensão e notoriedade, começaram a apostar fortemente em marketing este fenómeno cresceu. 


O Kickstarter (KS) ajudou ao processo, de uso de técnicas para nos cativar, oferecendo opções e produtos que dificilmente depois podemos adquirir. Temos os casos das edições de jogos que só passam pelo Kickstarter e os outros cuja edição (KS) é substancialmente diferente das versões que vão estar em loja, quer nos componentes quer em algumas adições e expansões que melhoram o jogo. Tudo isto parece ser feito para nos “obrigar” a comprar naquele momento, devido ao receio de estarmos a perder um produto único, que depois pode ficar mais caro ou totalmente indisponível. 

Já dei por mim a comprar com ânsia jogos que depois ficam parados na prateleira anos. Ao fenómeno do medo de ficar de fora junta-se o “colecionismo”. Reunir extensas coleções de jogos analógicos é uma tendência natural. Para muitos de nós fascina-nos a materialidade do jogo, e com isso vem o prazer de saber que os temos, mesmo que não os consigamos jogar. Trata-se do valor de posse, que pode ser um valor por si só suficiente para comprarmos um jogo. Por vezes coincide com o valor de jogar, outras vezes funciona como uma espécie de investimento. Há também quem guarde jogos para vender depois, especialmente quando os guardam intactos. 

Mas este investimento que refiro, na perspetiva do colecionar, prende-se mais com outro estado psicológico associado ao hobby dos jogos: o de ter na nossa coleção algo que pensamos que nos será útil no futuro. Entra novamente em jogo o medo de ficar de fora. Isto pode parecer absurdo, mas não é. Há aqui um equilibro que só se atinge com alguma maturidade e experiencia os jogos de hobby, embora dada a erros. Se já me arrependi de alguns jogos que comprei penso que me arrependi mais dos que não comprei e que hoje não consigo aceder. Se é verdade que um iniciante no hobby dos jogos de tabuleiro terá uma tendência para comprar tudo o que aparecer pela frente, pois tudo parece novo e fantástico, os jogadores mais experientes tendem a controlar esses impulsos. Existe muitos jogos bons a serem publicados todos os anos, mas há muitos que são “parecidos”. 

A vantagem de comprar alguns jogos mesmo que estejamos com dúvidas é que temos sempre aos nosso dispor um mercado de usados dinâmico, embora se perca algum dinheiro. Por isso, havendo dinheiro disponível, alguns jogos são realmente imperdíveis. Cada vez que me lembro de ter na mão a expansão “German Railroads” para o “Russian Railroads” e de não ter comprado pro achar que o podia fazer depois penso neste fenómeno. Hoje essa expansão está esgotadíssima e sem perspetivas de ser editada, com as cópias existentes a atingirem os 200€ no mercado de usados. Mesmo longe do Kickstarter, isto acontece em alguns jogos e nem precisam de ser muito antigos. Por serem objetos físicos a sua disponibilidade é sempre limitada, e não se “copiam” facilmente como os jogos digitais. Jogos como os da Splotter sofrem desse fenómeno, embora ai pareça ser algo mais intencional. Poucas edições, esgotar do stock novo instantaneamente e escalada de preços no mercado de usados. 

Com a experiência vamos desenvolvendo esta capacidade de avaliar que jogos devemos comprar e quais podemos passar. No entanto nada garante que percamos realmente boas oportunidades. O medo de estar de fora é permanente, mesmo para os mais experientes. 

autor: Micael Sousa

domingo, 14 de junho de 2020

Recomendações de podcasts sobre jogos de tabuleiro

Há cerca de um ano comecei a ouvir podcasts sobre jogos de tabuleiro. Até esse momento nunca tinha dado muita atenção a esse formato de conteúdo para abordar os jogos. Buscava, tendencialmente, recursos em formato de vídeo, pois parecia-me obvio que tinha de ver os jogos, os seus componentes e dinâmicas simuladas. 

No entanto, de todos os canais que seguia, com o tempo a informação começou a saber sempre ao mesmo, com os seus vídeos tutoriais, algumas análises que tendiam para a superficialidade, marcadamente anedóticas. De notar que uso aqui o termo anedótico sem conotação negativa, apenas como adjetivo de um conhecimento que tem valor, mas que não está sistematizado, ou pelo menos não sistematizado de uma forma que possamos usar diretamente para outros objetivos.

Por isso, assim quase sem planear, aproveitando as viagens que tinha de fazer de carro até Coimbra e a outros locais que me faziam gastar tempo considerável em viagem, em que a única opção é poder ouvir, comecei a tentar ouvir alguns podcasts. Experimentei vários e neste momento continuo a ouvir 4 deles sempre que posso, por razões diferentes. Vou apresentá-los de seguida por ordem de preferência pessoal. Vou citar também duas menções honrosas que me parecem interessantes, mas que ainda não ouvi vezes suficientes para poder ter opinião totalmente definida. Vou falar apenas de podcasts em inglês, pois ainda não comecei a explorar outros.

Menções que vale a pena ver também:
Ouvi apenas 2 ou 3 episódios destes dois podcasts. Pareceram-me interessantes nas abordagens, mas ainda não foi suficiente para os poder descrever. Apesar disso ficam aqui as ligações para poderem avaliar:
Rhado Talks Through
No Pun Included

Pode parecer estranho estar a referir este podcast tendo em conta que comecei por dizer que procurava informação sistematizada sobre jogos. Mas o Shut Up & Sit Down não é tão absurdo como parece, especialmente na versão podcast. Os autores tentam fundamentar as suas análises, mas sem deixarem de lado o humor. É algo difícil de conseguir, mas penso que eles conseguem. Têm-me sido imensamente úteis. Referem jogos que eu jamais iria considerar, como Party games, alguns amerigames cujas mecânicas são refrescantes e a tender para o hibridismo influenciado pelos eurogames. Também falam de eurogames de um ponto de vista critico, algo essencial para quem - como eu - está centrado nestes jogos. É imperativo ouvir o contraditório para apoiar a formulação de autocríticas. Ligação disponivel aqui.


Neste Podcast do conhecido projeto dedicado a jogos mais pesados, onde o vídeo também é o seu principal formato de publicação de conteúdo, surgem algumas preciosidades. Pensa a baixa produção do formato podcast, mas os poucos que fazem são bons. Ficamos a conhecer melhor o anfitrião do heavy Cardboard, o Edward, pois no seu podcast partilha muito dos seus gostos e preferências, especialmente quando faz os episódios sozinho. Para quem gosta de jogos mais pesados vai gostar de ouvir, pois nem sempre temos oportunidade de ver abordados em áudio os jogos mais complexos. Ligação disponível aqui.



Neste podcast temos 4 amigos que falam do hobby. Este podcast é uma expressão concreta do hobby, de como se formam amizades e podem ser levadas ao ponto de gerarem projetos com impacto. Aqui os 4 amigos, mas que muitas vezes são somente 3, ainda que recebem também visitas de outras pessoas que lhes são próximas, falam dos jogos que jogam, das situações que acontecem ao jogar, com um foco no meta jogo. Apesar de serem americanos, falam muito de eurogames também, o que torna os conteúdos mais ricos. Um podcast cheio de humor intrínseco, em que parece que estão a falar connosco diretamente. Ligação disponível aqui.



Ludology
Este podcast é uma obra prima. Um produto precioso, que poderia muito bem fazer parte do programa de uma disciplina de game design no ensino superior. Cada episódio é uma lição. Aprendi imenso a ouvir os anfitriões e seus multiplos convidados. É uma fonte de conhecimento que complementa bibliografia dos estudos dos jogos. Sem dúvida para mim o melhor podcast de todos, aquele que nunca posso perder, pois é essencial para sentir que estou continuamente a aprender. Não será um poscast para todos os jogadores de hobby, pois vai mundo fundo nas análises dos jogos, sem se forcar em jogos demasiado concretos. Este podcast não serve propriamente para conhecer novos jogos ou estudar um jogo em particular. Nele fazem-se puros exercícios que tentam a desejada e rara sistematização, numa área onde é tão difícil fugir ao conhecimento anedótico. Ligação disponível aqui.



Autor Micael Sousa

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Jogos de tabuleiro para desenvolver competências nos profissionais de saúde

Todas as civilizações têm os seus jogos e desde tenra idade que uma imensidão de jogos nos fascinam e desempenham um papel importantíssimo na nossa aprendizagem e desenvolvimento. Continuamos a jogar pela vida fora, mas a perceção tende a mudar. Apesar disso o nosso cérebro mantém-se plástico ao longo da vida, pelo que nunca deixamos de aprender, mesmo em idades mais avançadas.
Os jogos geram experiências e estéticas que nos fascinam e emocionam. Transportam-nos para espaços imaginados onde tudo pode ser experimentado e testado. Logo os jogos são arenas de teste, mas diferentes das brincadeiras, pois essas não têm de ser estruturadas, não de ter regras definidas nem objetivos para alcançar. 



Todas estas características dos jogos permitem que sejam utilizados, mantendo a diversão, em contextos sérios. Através deles podemos treinar competências, melhorar as que temos e desenvolver até novas, num ambiente seguro, pois nos jogos a perda não tem consequências negativas. Nos jogos aprendemos perdendo simbolicamente, aprendemos errando e testando novas formas de abordar os desafios que nos são apresentados. 

Mas existem muitos jogos, de todos os tipos e com características que se adequam mais a certos contextos de aprendizagem e treino que a outros. O caso dos jogos analógicos, na sua maioria jogos de tabuleiro, porque se jogam sobre uma superfície, existem vantagens únicas. São naturalmente mais colaborativos, pois necessitam do envolvimento ativo dos jogadores para funcionarem. São mais transparentes nas suas mecânicas, permitindo adaptações com facilidade. Ao serem assim flexíveis, são excelentes para aplicar a contextos e objetivos particulares. Por serem necessariamente presenciais, vivendo da materialidade dos componentes e da riqueza da interação humana, são perfeitos para desenvolver competências sociais, muitas delas associadas ao que conhecemos por soft skills, as competências ditas suaves, mas que são essenciais. 



Por isso estamos a propor um projeto inovador, nascido em Leiria, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria (ESSLEI-IPLEIRIA). Uma ideia que consiste em aproveitar os novos designs de jogos de tabuleiro modernos, aqueles que os Boardgamers de Leiria da associação Asteriscos têm utilizado nos seus múltiplos projetos educativos e sociais. Com base nisso estive a ajudar a Marlene Rosa, investigadora e professora da ESSLEI-IPLEIRIA a criar um projeto para candidatarmos às Academias de Conhecimento da Gulbenkian. Nesse projeto propomos desenvolver sessões de treino de soft skills para que os futuros profissionais de saúde possam estar ainda mais preparados para lidar com as experiências e interações humanas em contexto de trabalho. Para isso queremos ajudar a desenvolver a comunicação motivacional, escuta ativa, gestão de expetativas, gestão de conflitos e tomada de decisão, tal como o estímulo criativo, entre outras. O projecto chama-se Gym2beKind, pois no fundo pretende criar um ginásio para treinar para a simpatia e humanização através da diversão. 

Para conhecer, votar e partilhar este projecto basta seguir este link: https://wn.nr/xsHRQt

Texto publicado no Diário de Leiria

Autor: Micael Sousa

domingo, 3 de maio de 2020

Coisas que podemos saber cientificamente sobre jogos de tabuleiro

Jogos de tabuleiro há muitos, aliás, existem jogos desde que somos humanidade. Mas nem todos os jogos são iguais embora usemos termos que possam levar os mais distraídos a juntar tudo no mesmo pacote, ou na mesma gaveta. Por outro lado, numa ânsia por tentar especificar o objeto do nosso hobby, também podemos criar tantas caixas semânticas para colocar os nossos jogos que depois nem nós nos entendemos. 

#boardgamephotocreative | disponível em: Instagram.com/micaelssousa
Falei do nosso hobby propositadamente, pois é assim que os jogos de tabuleiro que geram comunidades de gosto se devem definir. Isso não significa que os jogos do mercado de massas não possam gerar hobbies, porque sabe-se que há quem colecione, por exemplo, monopólios e riscos. Mas o termo hobby usa-se porque houve jogos inicialmente criados como hobby, paralelamente às grandes empresas que já os faziam como produto de entretenimento de massas. Como em qualquer hobby ou atividade de nicho, tendem a surgir formas especializadas de conhecimento e cultura. Foi isso que aconteceu com os jogos, originando novos designs, tipologias e, no final, produtos que criaram um mercado próprio e que agora se torna mais acessível e aberto. São estes os jogos de hobby, aqueles que chamamos jogos de tabuleiro modernos, porque dá jeito distingui-los semanticamente dos restantes jogos que, com alguma sobresseria apelidamos de “não-modernos”. Isto dos hobbies gera sempre elites e pedantismos – é normal e não é por mal, é cultura. De uma forma mais rigorosa, estes jogos de hobby, para abarcar toda a diversidade deveriam ser definidos como jogos analógicos, tal como fazem os editores da Analog Game Studies. Acaba por ser mais correto, porque conseguimos assim incluir, sem dúvidas, os jogos narrativos, de miniaturas, colecionáveis e géneros híbridos. Se pensarmos nos jogos de tabuleiro, nas classificações de jogos tradicionais ou clássicos também surgem incertezas. Estamos a falar dos jogos imemoriais como as mancalas, damas e xadrez ou dos jogos já com dezenas de anos como monopólio e jogo da vida? Proponho que os tradicionais sejam os primeiros, incluindo neles jogos populares e etnográficos, e os clássicos os monopólios e afins, que por sinal se encaixam também nos jogos do mercado de massas, em que se assumem mais as marcas das editoras que os autores. Depois então temos todos os outros, os jogos de hobby, aqueles onde o autor tem um destaque próprio e, habitualmente, tendem a demarcar-se pela originalidade das mecânicas e dinâmicas de jogo que proporcionam. Tentam inovar e direcionar para segmentos de jogadores específicos, os gamers se quisermos simplificar, embora isso também possa ser polémico. Dentro deste tio de jogos podemos especificar em wargames, jogos narrativos, simulação, colecionáveis, eurogames, ameritrash e uma infindável quantidade crescente de jogos híbridos que misturam traços dos vários subgéneros, apesar de todos os limites dúbios e altamente questionáveis. 

A comunidade de hobby tende a gerar e alimentar a sua cultura, a procurar e criar conhecimento, mas nem sempre da forma mais estruturada. De quem é a culpa? E haverá culpa sequer para atribuir? Será um problema? Sim e não, na minha opinião. Estas dúvidas geram discussões infinitas que fazem parte do fascínio da dimensão cultural dos hobbies, especialmente dos que estão vivos e em desenvolvimento. No entanto complica quem quer seguir por abordagens mais sistematizadas, agora que os jogos têm um renovado interesse por poderem ser utilizados em processos de gamificação e de serious games.

Quanto a culpas, bem… a academia tem uma parte da culpa. Existe alguma investigação sobre os jogos analógicos, embora a esmagadora maioria dos estudos dos jogos se foquem nos jogos digitais. Apesar disso existem artigos e publicações sobre os jogos de hobby, perdidas entre milhões de outros registos. Para os académicos, apesar de terem muito que desbravar, esse conhecimento pode ser acedido. No entanto, para todos os outros pode ser impraticável ler esses artigos e livros pagos, por vezes a peso de ouro. Enquanto académico, pelo menos nesta fase da minha vida, eu e todos os colegas somos impelidos a produzir “ciência”, mas a ditadura das indexações força-nos a publicar em certos sítios que não estão acessíveis aos grandes públicos. É, no mínimo, um paradoxo para a ciência na era da informação… Uma excepção a isto é a ETC Press, associada à Carnegie Mellon University que tem uma parte considerável dos seus livros técnicos e académicos sobre jogos disponíveis gratuiramente online aqui

Quando desafiei o Edgar a ajudar-me a fazer um artigo sobre jogos de tabuleiro não sabia bem onde me estava a meter – acho que nem ele. Foi uma procura árdua. Milhares de artigos, dezenas de livros e outros tipos de publicações com informações contraditórias. Uma necessidade imperiosa de estruturar tudo aquilo, recorrer às nossas redes de acesso ao conhecimento científico, num trabalho paralelo ao que estudamos habitualmente. Foi um esforço por construir algo que se parecesse com um artigo cientifico e lutar para que pudesse ser aceite numa conferência de jogos digitais, porque das outras simplesmente não há, ou quando há são inacessíveis ou não produzem o tipo de publicações que necessitamos para o currículo. Também foi surpreendente perceber que, apesar de algumas desconfianças, essas conferências aceitam conteúdos sobre jogos analógicos, pois há muito que os une nas abordagens sistémicas aos jogos digitais. O fruto desse trabalho está disponível aqui, mas, como é comum no atual estado da produção cientifica, não é gratuito. Ainda assim estão disponíveis as referências bibliográficas que podem ser já uma boa base para saber mais. Por isso, o que se pode fazer é continuar a partilhar esse e outros conhecimentos por outras vias, aqui no blogue, no canal de Youtube e noutras publicações de maior lastro, tal como os artigos que tenho conseguido fazer no P3 sobre jogos e tabuleiro.

Ainda assim vão existindo algumas fontes gratuitas que nos podem ajudar a consolidar e estruturar conhecimento sobre este tema dos jogos analógicos – ou simplesmente de tabuleiro ou de mesa. Remato aqui o texto com a recomendação do Analog Game Studies que já referi e do excelente podcast Ludology. Devorar e compreender estas duas criações fará de todos verdadeiros especialistas nesta área, mas desde que continuem a jogar também. 

Autor: Micael Sousa

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Serious games e mapas mentais #2

Há um jovem que me está constantemente a surpreender. Anda aqui um gajo distraido nos seus afazeres, pouco ou nada relevantes, e, de repente, recebe mais um mapa mental feito pelo Bruno Ribeiro. Afinal há pelo menos uma pessoa que vê os meus vídeos sobre serious games como tendo algum potencial e se dá ao trabalho de os analisar para tentar expremer alguma utilidade. O Bruno mandou-me então mais um dos seus mapas mentais a resumir o segundo vídeo da série dos "Jogos Sérios" que tenho andado a alimentar no canal de Youtube aqui do Jogos no Tabuleiro


Mesmo que não tenham a arte do Bruno, que consiste em desenhar, mas acima de tudo, em ordenar estas ideias para serem facilmente lidas em forma de resumo, experimentam esta técnica. No fundo são esquemas de resumo. No meu caso, apesar de ter sido eu a fazer os vídeos, muito de improviso e com apenas uma gravaçã, este recurso grafico é muito importante pare recordar o que partilhei e para auto-crítica. 

Em jeito aqui de resumo, sobre este segundo mapa mental: é preciso conhecer mutios jogos para tentar fazer uma sistematização das mecânicas e dos sistemas de jogo. Conhecendo isso e quais podem ajudar à implementação dos conteúdos poderemos então desenhar melhores jogos, especialmente jogos sérios (serious games). 

terça-feira, 24 de março de 2020

Viceroy: versão alternativa para jogar a solo

Há jogos de tabuleiro que têm versões para poder jogar em modo solitário, a solo como costumamos dizer. Mas algumas das versões a solo são muito fracas, em nada representando a dinâmica e sensações de jogo com múltiplos jogadores. Obviamente que não é fácil simular o comportamento dos jogadores, até porque o que mais se valoriza nos jogos analógicos é a interação com outros jogadores, especialmente nas reações humanas e até incertezas que daí resultam. Alguns jogos tentam simular isso com os baralhos de cartas chamados autómata e afins, mas, no fundo, nunca é a mesma coisa. São opções razoáveis quando não temos adversários, algo que ocorre nestes dias de pandemia global por causa do COVID-19. 

Um dos jogos que tentei jogar na versão solo e que me desagradou, por ser demasiado aleatório, numa forma que supostamente tenta replicar a sensação global do jogo com múltiplos jogadores foi o Viceroy. Sendo um jogo de construção de um puzzle com a hierarquia de cartas pareceu-me ser um bom caso de jogo para jogar de modo solitário, pois temos de tentar fazer o melhor possível com as cartas que temos, sendo diferente todos os jogos. Mas a versão solitária torna os leilões demasiado aleatórios, uma verdadeira lotaria que não me agrada ver num jogo de tabuleiro moderno. Por isso decidi criar uma versão alternativa sem essa aleatoriedade. Aqui fica a explicação de como se joga.
No jogo vamos somente usar 4 gemas de cada cor. Todas as outras são removidas do jogo. O jogador recebe na mesma 2 de cada no início da partida e descarta depois 2 dessas 8 à sua escolha. 
Usam-se as cartas de cor na fila de leilões, mas agora o jogador paga diretamente a cor associada à carta de personagem. 


Na segunda ronda as cartas que não foram compradas passam para a linha de cima, e de modo aleatório, sorteia-se uma gema de cada cor para colocar nas colunas com duas cartas. 


Assim, o jogador, a partir da segunda ronda terá sempre a opção de poder comprar uma carta por uma ficha ou 3 conjuntos de duas cartas por duas fichas de cores variadas. Habitualmente, uma das gemas vai ficar de fora dos custos adicionais, à exceção de quando, na ronda anterior, o jogador optou por não comprar carta de personagem. Por isso, pode também, como na versão original decidir não comprar cartas e recolher assim pelo menos 3 gemas de cor à escolha. 


Quando as cartas passam da linha de baixo para a linha de cima, caso ainda existirem cartas na linha superior, as de baixo substituem naturalmente as de cima. 


Com esta alternativa deixa de haver uma aleatoriedade que possa prejudicar o jogador sem qualquer justificação. Com apenas uma reserva de 4 gemas de cada cor há a necessidade de fazer uma gestão mais apertada das gemas. Assim fica o jogador tem mais controlo sobre o jogo e pode assim delinear com mais certeza estratégias e explorar múltiplas combinações, que, pela imprevisibilidade do modo como as cartas vão surgindo e os custos das cartas, têm garantia de replicabilidade.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Pelo património e pelas lojas de jogos de Vincennes na zona de Paris

Vincennes é uma cidade de França, na contiguidade de Paris, tanto que praticamente não se distingue desta. O metro, na linha 1 (linha amarela) que atravessa o Louvre chega lá. Por isso dá para ter uma noção da sua centralidade. Vincennes é conhecida pelo seu bosque e jardim, onde existe um Zoo, mas mais famoso é o seu castelo – um verdadeiro conjunto militar de várias épocas históricas. Nele viveram muitos dos reis de frança, especialmente no período medieval. O castelo ainda conserva, dessa época medieval, o núcleo central fortificado e a catedral, embora as muralhas exteriores sejam já da época moderna, já mais adaptadas para resistir a canhões e à guerra da pólvora. Trata-se de um complexo militar que vale a pena visitar. 


Mesmo junto ao castelo, que fica nas imediações da estação de metro e autocarro, desenvolve-se a cidade propriamente dita, com um comércio de rua variado e de elevada qualidade. Vale a pena passear nessas ruas só por isso também, para se constatar como é possível evitar shoppings e manter lojas conjugadas com uma vida urbana de qualidade. Tanto é que existem duas lojas de jogos de tabuleiro que merecem visita, justificando a criação de mais um percurso de passeio pelo património e jogos de tabuleiro em Paris, para além do já aqui partilhado para a zona central de Paris, na zona do Quartier Latin


Saindo pela porta principal da fortaleza seguimos pela Avenue du Château e depois viramos à direita na Rue Lejemptel. Aí vamos encontrar a Au Bois Rieur, que vende jogos de tabuleiro modernos, jogos de madeira e miniaturas. A oferta de jogos não é enorme, mas tem algumas mesas e uma ludoteca que podem usar para jogar. 


Voltando à Avenue du Château, deixando sempre a vista de perspetiva do castelo para trás, vão acabar por chegar à Rue de Fontenay, depois de cruzarem mais duas ruas transversais. Ao atravessarem esta zona urbana vão ter a certeza de que estão França. O aspeto das lojas, dos arranjos urbanos, dos edifícios e o comportamento das pessoas que circulam não enganam, geram um contexto único. 


Chegados à Rue de Fontenay devem virar à direita e vão encontrar a Ludifolie. Para mim esta é a melhor loja da grande Paris. Tem uma enorme variedade de jogos com os títulos mais recentes, os melhores preços e até uma secção de oportunidades que onde podem encontrar jogo a custar menos de metade do preço normal. Têm por lá jogos de todos os tipos, desde os mais familiares aos mais complexos e pesados. Têm jogos de tabuleiro para crianças, jogos em madeira e imensos party games de todos os tamanhos e feitios. Encontram os eurogames e tudo o que possam imaginar. Conseguem facilmente perder uma hora a ver toda a oferta - eu pelo menos não dispenso passar os olhos por todos os jogos expostos. 


Depois de desfrutarem da loja, mesmo que não comprem nada, caso seja do vosso agrado um programa destes, podem perder-se também pela envolvente urbana, sabendo que têm sempre muito perto a estação de metro, os autocarros e o RER A (o comboio, que funciona quase como um metro, naquela que é a linha mais movimentada da europa). Todos estes transportes estão integrados e podem usar os passes diários para os utilizar, voltar num instante ao centro de Paris ou a outro local qualquer na periferia. 


Apesar de eu comprar muitos jogos online, adoro visitar uma boa loja, deambular o olhar pelas caixas. o descoberto inúmeros tesouros assim, e ver um jogo presencialmente é sempre diferente. É quase como a sensação de jogar, pois sem experimentar diretamente nunca saberemos exatamente como é ou como vamos reagir ao jogo. Isto dos jogos tem tudo que ver com emoções. No fundo é como as viagens. 

Autor: Micael Sousa

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Da conferência ao Friend Zone Lounge em Aveiro: Jogos de Tabuleiro na ciência e no mundo Geek

Estava por Aveiro, a propósito de uma conferência internacional sobre videojogos que ia decorrer na Universidade, mas onde havia um painel dedicado a board and table games. Fui lá apresentar o artigo que tinha submetido em parceira com o Edgar, resultando de uma desafio do grande mestre Nelson Zagalo. Hoje o artigo está disponível no site da Springer aqui.  O artigo não é gratuito, mas, infelizmente, é assim o estado da ciência no mundo. Temos de publicar em revistas e conferências indexadas, mas que depois não estão acessíveis a todos. Podemos depois sempre falar sobre o artigo se quiserem.



Como estaria por lá duas noites tentei pensar alternativas para fazer durante a noite. Um dia ia ser dedicado ao jantar de conferência por isso o outro estava livre. Perguntei a uns amigos se havia algum sítio onde se pudesse ir jogar um jogo de tabuleiro, assim dos bons, e conhecer a comunidade local de gamers. Ainda estava com esperanças de poder coincidir com algum dos encontros do Grupo de Boardgamers de Aveiro, mas infelizmente não calhou. Mas o Carlos Abrunhosa disse-me que havia lá um local onde se podia jogar regularmente. Fiquei entusiasmado e curioso.

Felizmente não tive nenhum tempo morto e acabou por ser tudo muito intenso. Tive convite para jantar com umas colegas investigadoras da Universidade de Aveiro. Mas primeiro ainda deu para um almoço super interessante com a Monique que, desde que nos conhecemos na conferência do CITTA,  temos andado a pensar em utilizações sérias de jogos em processo de tomada de decisão. Então, já lá para a noite e depois do workshop que dei sobre modern board games, e de mais umas conversas com outra colega investigadora, desta vez sobre jogos e economia circular, com a Sara, que por pouco não perdia o comboio, chegava o momento do jantar.

Depois de um espetacular rodizio de pizzas, lá fui com a Patrícia, a Rita e a Ana, as colegas investigadores que primeiro referi, investigar o tal local onde se jogavam jogos de tabuleiro modernos em Aveiro. Fiquei ainda mais espantado por aceitarem ir comigo a este suposto refugio geek em Aveiro. Andamos às voltas na zona perto do Mercado de Santiago à procura do tal Friend Zone Lounge. O local funcionava numa loja comum e não havia grande identificação exterior. Depois de algum trabalho colaborativo de detetive lá achamos o local. Entramos e ficámos espantados. Era uma loja com cerca de 20 (jovens) homens a jogar Magic: The Gathering (MTG). Ficou claro que era, acima de tudo, um clube de Magic e que não estavam habituados a receber visitantes. Não conseguiam esconder o espantado de nos ver entrar pela porta sem conhecer ninguém.  Nós também ficámos algo perdidos e tivemos mesmo de pedir ajuda para saber como funcionava o espaço. Tínhamos várias mesas livre e havia uma pequena ludoteca de jogos de tabuleiro moderno, com bons títulos. Não era muitos mas havia coisas interessantes disponíveis para jogarmos. Como não iriamos estar muito tempo, uma vez que a conferência na manhã seguinte não esperava por nós, decidi-me a sugerir uma coisa rápida, uma vez que as minhas colegas não conheciam este tipo de jogos. Jogámos um Colt Express. Acho que elas apreciaram poder andar aos murros e tiros virtuais umas com as outras. Só não sei se se tentaram vingar em mim por as arrastar para aquele submundo.

Fonte: https://www.facebook.com/friendzonelounge/


Depois do nosso jogo fomos à descoberta do resto do espaço. Havia uma sala com sofás onde se podia jogar várias consolas e na cave um minibar para consumo próprio neste espaço coletivo. Deixamos um donativo e ofereceram-nos uma bebida em troca. Aí estava também uma pequena sala de cinema. Pareceu-me que depois disto ficaram mais à-vontade com a nossa presença.  Acabamos por falar sobre o funcionamento do espaço. Trata-se de um projeto muito caseiro, ainda que aberto era definitivamente algo restrito que se alimentava da comunidade de estudantes universitários e jovens profissionais. Isto fez-me lembrar os clubes de MTG de antigamente, quando eu próprio jogava muito intensamente e andava em torneios. Era outro ambiente, mas restrito e elitista. Eu próprio nessa altura não me interessava propriamente pela dimensão social desse hobby e muito menos em experimentar outros jogos fora desse espectro. MTG era o foco total. Hoje em dia tudo é bem diferente. A Internet não estava tão generalizada e acessível, pelo que era mais dificil aceder aos jogos de nicho. Mas com o advento das redes sociais e a forte dimensão social dos jogos de tabuleiro como um hobby crescente e abrangente, os hábitos têm mudado e o isolamento e os clubes mais obscuros de jogos são cada vez mais raros.

No fundo o Friend Lounge é um local muito interessante para jogar em Aveiro. Não tenham receio, ainda que possa demorar um pouco entrar no espírito da coisa. Provavelmente podem ficar também um pouco perdidos enquanto os outros frequentadores estão totalmente focados nos seus jogos, mas não é por mal. Se não quisessem lá pessoal não tinha esta página de Facebook. Esta experiência fez-me refletir sobre o modo como as comunidades e cultura dos jogos de hobby têm mudado em Portugal e no mundo. Há uma tendência de abertura que faz prever que continuaremos a ter cada vez mais pessoas a optar por estas formas de entretenimento e diversão presencial. 

Autor: Micael Sousa

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Dos Serious Games aos Mapas Mentais #1

Iniciei há pouco tempo uma nova rúbrica no canal de Youtube aqui do projeto Jogos no Tabuleiro dedicada à introdução aos jogos sérios. Podem seguir aqui neste link. Tendo por base as recolhas de dados, experiências, investigações e múltiplas sessões de teste que tenho feito em contexto real de formação, de aulas e de projeto parece-me poder ter utilidade estruturar um pouco todo este conhecimento na forma de vídeos rápidos. Tem sido uma forma útil – pelo menos para mim – de organizar e simplificar ideias. Mas parece que pelo menos mais uma pessoa achou interessante, ao ponto de dedicar algum do seu tempo a trabalhar sobre estes conceitos, sintetizando e criando outa forma de os comunicar, porventura mais eficazes do que os vídeos que criei. O meu amigo Bruno Ribeiro criou um mapa mental e partilhou-o comigo. Como é uma pessoa humilde disse-me que era apenas um draft e ensaio, pois estava a treinar a técnica. Eu achei que ficou excelente e perguntei se podia partilhar. Aqui está então o resultado do trabalho preliminar do Bruno quando iniciou esta aventura.

O Bruno inspirou-me tanto que decidi voltar a pegar na caneta também e começar a fazer os meus próprios rabiscos. Segui o conselho do Daniel Lança Perdição – que é um mestre nesta arte dos mapas mentais - e comecei a tornar-me uma avestruz. Todos sabemos desenhar, basta usar umas formas geométricas e umas linhas – diz ele. Organizar a informação desta forma é poderoso, para reforçar o autoconhecimento e para comunicarmos com os outros. Desde então não dispenso os meus rabiscos. Eu até diria que são essenciais para o design e adaptação de jogos, quer para objetivos lúdicos de entretenimentos ou para as gamications e serious games. Já tentaram rabiscar alguma coisa? No fundo, quando jogamos um jogo de tabuleiro estamos também a fazer mapas mentais, a desenhar no "círculo mágico". É também por isso que os jogos são tão poderosos e cativantes, podendo ser aplicados aos mais diversos contextos e objetivos.

Autor: Micael Sousa

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Ludoclube: um espaço único para gamers jogarem em Lisboa

Em novembro estive dois dias por Lisboa a propósito de uma conferência, que por mero acaso coincidiu com uma das noites abertas de jogos no Ludoclube. Para quem não conhece – e é normal que muitos não conheçam – o Ludoclube é um sítio reservado, direcionado para gamers que querem desfrutar de jogos de qualidade num ambiente calmo e controlado. Isto parece um bocado elitista, e de certa maneira é, mas no bom sentido. Qualquer pessoa pode aderir ao Ludoclube, mediante o pagamento de uma quota, mas não se garante que estejam lá pessoas de serviço para explicar jogos. Pode acontecer, mas será sempre numa relação entre pares. Pagar para participar aqui é mais que justificado, pois há custos inerentes a manter um espaço destes. Não é por acaso que ainda existem poucos locais permanentes em Portugal onde se pode estar constantemente a jogar com boas ludotecas, pois obrigam a estruturas de custos consideráveis para serem sustentáveis. Ou existem parcerias com outras entidades ou têm mesmo de ser os utilizadores a suportar os locais de jogo, especialmente quando querem garantir certas condições mínimas. 


Isto de jogos de tabuleiro ditos modernos é um hobby, não convém esquecer. Estes jogos são tecnicamente conhecidos por isso mesmo: por serem jogos de hobby. Isso explica-se pela sua génese, de criadoras e editoras que pegaram em jogos de simulação e começaram a desenvolver as suas próprias criações de modo caseiro ou paralelo à indústria do mercado de massas dos jogos de tabuleiro. Estes novos jogos de nicho escapavam às lógicas de mercado viradas para a consolidação de produtos ditos seguros e do jogo como brinquedo efémero, e foi por isso que prosperaram ao estarem constante a inovar. Ou seja, o ludoclube é exatamente o reflexo disso, de um espaço criado por gamers - por jogadores de hobby - de uma geração mais antiga, de uma altura em que não existia tanta divulgação nas redes sociais e onde os atuais boardgame cafés eram meras fantasias. Malta de outro tempo, mas a quem se tem juntado pessoal mais novo, mantendo o espírito mais underground do hobby. É por isso que isto é um tipo de elitismo positivo, porque se garante o aprofundamento do hobby num ambiente próprio e livre de outras logicas externas. Com cada vez mais eventos generalistas e direcionados para o grande público, com convenções que se assumem como festivais de jogos que tendem para os jogos mais leves, há que valorizar quem persiste e quer investir na diferenciação. 


Foi isto que senti quando visitei o Ludoclube. O espaço tem uma ludoteca impressionante, em variedade e qualidade. Tem boas condições para se jogar, muitas mesas com recantos e para se desfrutar dos jogos de forma recatada, pois permite a concentração no jogo e no grupo sem dispersões. Sem em alguns encontros e eventos pode parecer que há coisas mais importantes para além dos jogos e as pessoas que efetivamente os jogam, no ludoclube senti que estava numa câmara de amplificação da essência do hobby, no seu estado mais puro. 

Quem participa em muitas atividades de demostração e evangelização de jogos – como eu -, em que estamos constantemente a explicar os mesmos jogos de introdução a novos públicos sabe quão valioso é termos o nosso momento como gamers. Tendo em conta o atual panorama de crescimento da comunidade e cultura de jogos de tabuleiro em Portugal, espaços únicos como o Ludoclube são tesouros por explorar e preservar. 

Para conhecerem melhor o Ludoclube basta seguir este link

Autor: Micael Sousa
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