sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Os Eurogames têm sempre tema - Opinião por Micael Sousa

Um dos assuntos recorrentes na comunidade de jogos de tabuleiro diz respeito aos temas e mecânicas. Ma será que essas questões fazem sentido, pelo menos no seio dos jogos de tabuleiro modernos? Se estivermos a falar de jogos abstratos, puramente abstratos, que existem desde o inicio da civilização, não estamos a falar da mesma coisa. Importa fazer essa distinção para podermos então tocar no cerne da questão. Nos jogos de tabuleiro modernos há sempre um tema. Porque se não tiveram seriam simplesmente abstratos e não encaixam em alguns dos princípios que fizeram surgir a nova vaga de design moderno. Um desses princípios era haver uma, um simbolismo para os componentes e as dinâmicas de jogo. Há sempre uma narrativa.



Penso que não é segredo para ninguém que alguns dos jogos, criados no seio do design moderno tiveram temas colados por cima das mecânicas. Significa que primeiro surgiam as ideias do sistema de jogos a implementar, surgindo apenas depois o tema para dar significado aos processos e tomada de decisão. Outros jogos foram desenhos de forma inversa. Havia uma ideia e depois arranjaram-se mecânicas para dar sentido ao tema. Em ambos os casos o processo foi de adaptação e ajuste nas duas componentes. Ou seja, mesmo que o elemento mais forte e que esteja na génese do jogo fosse simplesmente o sistema de jogo e a mecânica, o tema não é dispensável. Aliás, tema é essencial. Em muitos destes jogos são os próprios jogadores que os descartam por ser desnecessário, não por não existir. O potencial de narrativa está lá, mas pode ser ignorado. São opções individuais. Podemos dizer que o design não promove o processo narrativo, mas mesmo nos jogos que o fazem com mais força, podemos também ignorar essa dimensão e reduzir tudo a um sistema abstrato. Bem, já me adiantei…

Por vezes encontrar um tema num jogo prende-se com a capacidade de ver para além da abstração da mecânica. Quem não tiver imaginação e capacidade de ver as metáforas dos encadeamentos lógicos de mecânicas, quem não fizer uma abordagem aos símbolos, dirá que tudo é abstrato. Pensei muitas vezes nisto, e, neste momento, o melhor que consigo dizer sobre isto é que existência forte de um tema passa pelo próprio processo de abstração. Pegando no sistema de jogo, com todos os seus significados, podemos iniciar um processo de depuração de todos os elementos adjetiváveis até obtermos uma abstração. Imaginem transformar tudo num sistema de equações com variáveis e dependências entre elas – já fiz isso para parte de um jogo, algo que publicarei num futuro texto. Se ao pegarmos nessa abstração, fazendo o percurso inverso, e constatarmos que podemos acoplar ao jogo outros temas sem que o jogo que nada tenham que ver com o tema original, sem que o jogo fique incoerente, então estamos perante um jogo com tema fraco. Mas há que lembrar que há processos semelhantes a vários temas. Então, nesse caso, o tema do jogo é o próprio processo, que se manifesta então de diversas formas. Por exemplo: um processo de crescimento de uma árvore pode ser semelhante a outro processo de desenvolvimento, tal como a simulação de uma sociedade num momento da história pode ser parecido com outro processo de complexificação. Ou seja, o tema deve ter reflexo direto na mecânica e vice-versa. Por isso, quando digo que um jogo não tem tema ou é abstrato, o que quero dizer exatamente é que o tema tem pouca ligação com a dinâmica de jogo. Quer se queria quer não, há sempre aspeto temático, mesmo que seja a simples utilização de uma cor. 

No entanto, mesmo nos jogos onde possamos achar que o tema é fraco, existiu sempre uma tentativa de aproximação. Caso contrário dificilmente se incluiria este jogo na gama dos jogos de tabuleiro modernos, especialmente nos Eurogames e desse modo nos jogos de tabuleiro modernos. Há que lembrar que uma das razões para o sucesso destes jogos, internacionalmente a partir da década de 90 e início do seculo XX, relacionou-se com temas especialmente escolhidos para poderem atrair adultos, na medida em que favoreciam a utilização social dos jogos. Por isso, os temas não são de desprezar nem inexistentes nos jogos mais mecânicos do tipo moderno. Haveria depois muito mais para falar sobre os temas dos jogos e a sua capacidade de emersão e de envolvimento dos jogadores nas dinâmicas de jogo. Fica para outro texto.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

A arte de explicar um jogo: quais as melhores tecnicas - Opinião por Micael Sousa

Explicar um jogo novo a alguém não é tarefa fácil. Admito que exista quem goste desta tarefa, mas a maior parte de nós gosta, essencialmente, de jogar. No entanto, sem explicarmos os jogos a alguém dificilmente teríamos com quem jogar e uma comunidade crescente. 



Dada esta necessidade, parece-me útil tentar encontrar o melhor modo ou as melhores técnicas para podermos explicar jogos novos e cativar pessoas para esta atividade. No caso dos jogos de vídeo há muito que isso foi ultrapassado com os tutoriais e os níveis crescentes de dificuldades. No caso dos jogos de tabuleiro modernos essas técnicas são menos comuns, embora começam a surgir alguns casos, que ajudam a ensinar os jogos à medida que se vai jogado. 

Tendo em conta que a possibilidade de incluir tutoriais ou níveis crescentes de dificuldade estão reservados aos designers e criadores de jogos, a nós resta-nos usar os produtos que temos. Nesse sentido o que deveremos fazer? Será que se deve explicar exaustivamente todas as regras aos novos jogadores ou simplificar e referir apenas as mais importantes, deixando que as dúvidas surjam durante o desenrolar do jogo?

Se explicarmos todas as regras em alguns jogos mais pesados podemos contribuir para gerar situações penosas. Mesmo para os jogadores mais experientes não é fácil captar todas as regras e pormenores quando o tempo de explicação ronda uma hora só para explicar regras. Se têm experiência em jogos pesados sabem que isto não é raro acontecer. Em alguns jogos só mesmo com várias partidas é quem estamos em condições de o jogar de forma estratégica.

Se explicarmos apenas pontualmente as regras essenciais podemos poupar tempo, mas obriga a um acompanhamento contínuo do jogo. Também podem acontecer desvirtuamentos no desempenho dos jogadores ao longo do desenrolar do jogo, por omissão de regras, que podem condicionar a sua experiência. Ainda assim dificilmente alguém leve a sério, do ponto de vista competitivo, uma primeira partida do quer que seja.

Pessoalmente costumo fazer uma primeira explicação do objetivo e mecânicas principais do jogo, passando depois aos pormenores. O enquadramento no tema pode ser relevante também para a assimilação do jogo. Mesmo assim é necessária adaptação, pois nem todos os jogos podem ser abordados desta maneira flexível. 

Só não falei aqui dos méritos pessoais dos explicadores. Isso é imensamente importante. A clareza e o entusiamo de quem explica o jogo é muitíssimo importante. Mesmo essas competências, apesar de poderem ser treinadas, são mais inatas numas pessoas que noutras. 

Para tentar tornar este texto mais útil e interessante, lanço o seguinte desafio: quais as vossas técnicas e abordagens para explicar jogos de tabuleiro modernos?
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