quarta-feira, 18 de julho de 2018

Quando o Urbanwins me ajudou a aplicar jogos de tabuleiro modernos a coisas sérias - Texto por Micael Sousa

O meu envolvimento com jogos e tabuleiro modernos tem alguns anos. O primeiro jogo que explorei mais a fundo foi o Settlers of Catan, jogo que se considera o marco simbólico do início da era dos jogos de tabuleiro modernos. Conheci este jogo talvez em 2000 ou 2001, mais coisa menos coisa, mas só o comecei a jogar intensamente lá por volta de 2004. Até lá jogava Magic: The Gathering, que era um trading card game, de cartas colecionais, mas que explorava algumas novas mecânicas e designs de jogos analógicos de origem norte americana. Mas, com o tempo, esse jogo perdeu o interesse, pois, para manter o meu envolvimento com ele obrigava a uma dedicação para me manter nas competições nacionais e continuar a investir muito dinheiro. Quando o comecei a jogar, por volta de 1996 a 1997, aquele mundo era novo e vibrante, mas depois foi perdendo o encanto, ainda que tenha jogado quase 10 anos com algumas intermitências.

Settlers of Catan
Contudo ficou o gosto por este tipo de jogos, transformando-se mais em atividade social mais aberta, algo que o Catan proporcionava mais. No meu grupo de amigos havia uma forte cultura de jogos digitais. Realizámos muitas semanas em que criávamos redes locais para jogarmos em grupo. Com o tempo também toda essa logística ficou inviável. Mesmo com o acesso e velocidade da Internet o tempo escasseava para manter esses hábitos de jogos. A vida tinha mudado. Muitos de nós já estávamos a trabalhar e em relações estáveis. Mas um pequeno grupo de amigos mais chegados conseguiu manter o hábito de jogar, principalmente jogos de tabuleiro. Jogávamos Catan. Jogámos durante muitos anos apenas esse jogo, desconhecendo que o mundo dos jogos de tabuleiro estava em ebulição. Deste núcleo duro constituído por mim, pelo Edgar e pelo Hugo, fomos mantendo hábitos e conseguimos que as nossas namoradas se interessassem também pela sociabilização através dos jogos de modelo europeu. Na altura nem desconfiávamos que houvesse tal distinção. Simplesmente gostávamos destes novos jogos. Por volta de 2008 ou 2009 - já não sei precisar - eu e o Edgar fomos à primeira Leiriacon, a maior e mais antiga convenção de jogos de tabuleiro modernos que se realiza no distrito de Leiria desde 2005. Aí descobrimos que existiam milhares de jogos espetaculares. Desde então nunca mais parámos de jogar entre nós. Fomos adquirindo jogos, especialmente eu, porque me ficou o bichinho do colecionismo. Fascinava-me, e continua a fascinar a variedade e as novidades desta indústria criativa. Jogámos muito em casa uns dos outros, e sempre que podíamos íamos aos encontros mensais na Marinha Grande criados pela Spiel Portugal, que era quem organizava a Leiriacon [1]. 

Encontro Mensal de Jogos na Marinha Grande - 2013
Em 2014, depois de um desafio dos membros da Spiel Portugal e da nossa vontade de querer continuar a desenvolver este hobby, começamos a organizar os nossos próprios encontros de jogos em Leiria. Lançamos o desafio a uma associação da qual eu era associado. Aceitaram e a comunidade foi crescendo. Surgiram os Boardgamers de Leiria, num novo formato, mas dando continuidade ao que se fazia na Marinha Grande. Fizemos imensos encontros e sessões de jogos gratuitas para a comunidade local. Era evidente que estes novos jogos de tabuleiro se constituíam como poderosas ferramentas de intervenção e inovação social, que podiam ser utilizam em múltiplos contextos: integração social, desenvolvimento de competências, técnicas de ludoterapia, técnicas alternativas de aprendizagem, etc. Em 2018 criámos então uma nova associação, a Asteriscos, para continuar a desenvolver os nossos projetos com jogos. A comunidade tem crescido de forma sustentada, tendo sido feita uma parceria com uma associação de pais de uma escola de Leiria, possibilitando uma aproximação à comunidade local e escolar. Começamos apenas com 3 pessoas e hoje somos dezenas [2].

Encontros de jogos de tabuleiro na escola primário dos Capuchos em Leiria
Tudo isto para introduzir o historial de utilização destes jogos para agora referir uma outra aventura que se iniciou devido a uma necessidade de um projeto europeu. Em 2017, na primeira ágora do projeto Urbanwins, que se foca na implementação de metodologias colaborativas para abordar as temáticas dos resíduos urbanos e do próprio metabolismo das cidades, surgiu uma ideia. Era necessário encontrar um “quebra gelo”. Depois de ter frequentado uma formação intensiva na Universidade Nova de Lisboa sobre metodologias colaborativas, dirigida pela professora Lia Vasconcelos, tornou-se para mim evidente que havia imenso espaço para utilizar metodologias alternativas nestes projetos. 

Utilização do jogo Dixit no projeto Urbanwins
O “quebra gelo” que propus consistiu em utilizar parcialmente um dos jogos da minha ludoteca de jogos de tabuleiro modernos. Utilizei as cartas do Dixit. Através delas, dos seus desenhos surrealistas, os participantes na primeira ágora do Urbanwins em Leiria puderam falar de si e do problema dos resíduos de forma criativa. As cartas, informalmente, ajudaram a desbloquear a participação de uma forma criativa, respeitando a individualidade dos participante, aspetos essenciais para iniciar o processo colaborativo que se ia construir posteriormente. Assim foi [3].

Workshop de jogos na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Esta experiência de sucesso levou-me a testar mais elementos de jogos noutros contextos. Fui convidado para algumas aulas abertas em instituições de ensino superior, onde utilizei jogos e elementos de jogos para abordar determinadas temáticas. Através dos jogos, os alunos lidavam com a matéria e conteúdos de cada disciplina, de forma dinâmica, participativa e divertida [4]. Ganhavam autonomia e interesse pelas aulas. Eram os próprios que identificavam os objetivos das dinâmicas. Com isto desenvolvi uma metodologia própria, que apliquei em aulas de: turismo, património, liderança, trabalho colaborativo, gestão de recursos, planeamento, soft skills e etc. Passei pelo Instituto Politécnico de Leiria, na ESTG e ESECS, D. Dinis Business School, ISCAC – Business School de Coimbra, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, ISEG – Lisbon School of Economics & Management. Foi uma grande aventura que tudo indica continuar a desenrolar-se, uma vez que continuam a surgir novos jogos e a experiência acrescida facilita o processo de utilização destas ferramentas a contextos cada vez mais complexos [5]. 

Sessão de jogos no ISEG
Passei também a integrar o GOVINT Portugal, através da participação do grupo das metodologias colaborativas, onde contribui para o desenvolvimento de uma dinâmica colaborativa que se materializou na forma de jogo [6].

Sessão de jogos com a equipa do Govint
Em jeito de resumo, podemos dizer que foi o projeto Urbanwins, pela sua inovação, que abriu a porta para que tenha começado a utilizar jogos de uma forma alternativa. Permitiu-me compreender o que são as metodologias colaborativas, que vão muito além da mera participação. Foi uma inspiração que se transferiu depois também para a vertente académica, tendo influenciado parte das investigações que realizei da componente letiva do doutoramento de planeamento do território. Apercebi-me que os jogos podem ser utilizados para promover o planeamento colaborativo. Provavelmente será esse o caminho de investigação que irei tomar nos próximos anos [7].

Mais que uma referência a um projeto, este texto é uma narrativa muito pessoal, demonstrando como os percursos de vida, os nossos relacionamentos sociais e preferências podem conjugar-se de forma surpreendente. Jamais pensei que pudesse utilizar os jogos como ferramentas sérias, numa relação com o conceito de “serious gaming” [8]. Mas a verdade é que estou cada vez mais perto disso e que na pática isso já ficou demonstrado através do Urbanwins. No entanto, há um imenso potencial por desenvolver no futuro e noutros projetos.

Para completar esta leitura pode ter interesse em ver também estes links:

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