sexta-feira, 23 de março de 2018

Apresentação do nosso canal no Youtube - por Micael Sousa

Era inevitável. Tínhamos de experimentar o formato vídeo. Pois é, criámos um canal de Youtube onde vamos fazendo vídeos de teste. A coisa está ainda fraquinha, mas é normal, provavelmente nunca será nada de espetacular. Nunca se sabe. Poucas pessoas ainda sabem do nosso canal e a experiência, para nós, é praticamente nova. Mas nunca houve medo de arriscar aqui neste projeto, mesmo em temas mais polémicos. Fazer vídeos é só mais uma aventura.

No novo canal vamos tentar seguir os princípios basilares aqui do blogue, aqueles que têm levado a que milhares de pessoas leiam alguns dos nossos textos - ainda custa a acreditar na verdade. Eventualmente faremos reviews de jogos, vamos abrir umas caixas e outras coisas do género. Para além disso tudo queremos continuar a tratar da filosofia dos jogos de tabuleiro e do meta jogo - aquilo que está para além dos jogos. Não estamos sozinhos nesta viagem, contamos convosco. As abordagens temáticas que propomos só fazem sentido se forem discutidas, contra-argumentadas e rebatidas, sendo na melhor das hipóteses - para nós - aprofundadas. Seja como for estamos por aqui para continuar a falar e escrever sobre jogos de tabuleiro, uma atividade que é muito mais que uma moda e está para ficar. 


sexta-feira, 16 de março de 2018

Passeio pelas lojas de jogos de tabuleiro do Quartier Latin em Paris – por Micael Sousa

Se forem uns verdadeiros apaixonados por jogos de tabuleiro modernos e estiverem em Paris têm de reservar duas horas do vosso tempo para fazer um percurso numa das zonas mais belas da cidade que acolhe algumas das melhores lojas de jogos. O mais interessante destas lojas, para além de serem excelentes lojas de jogos de tabuleiro onde podem encontrar excelentes jogos, embora quase todos em francês, é que estão muito perto umas das outras. Não bastasse isso, localizam-se numa das zonas mais interessantes e pitorescas da cidade, na zona e imediações do antigo Cartier Latin e perto de alguns locais que merecem ser vistos e o ambiente urbano único que aí se conjuga ser apreciado.

Mapa geral do percurso que se faz a pé, devagar, em cerca de 30 a 45 minutos

Quando vou a Paris este é um dos primeiros percursos que faço para ver as novidades. Apesar de podemos aceder às novidades online, nas lojas, presencialmente, tal como acontece com os jogos, o sabor é outro. De notar que em cada país as novidades e tendências podem mudar, consoante os gostos locais e as apostas das editoras. Só isso tem imenso que se lhe diga.

Para além do obvio gosto pelos jogos o percurso que aqui vou recomendar contribui para desfrutar um pouco da autenticidade e particularidade da cidade de Paris. São os monumentos que se destacam, mas também toda a panóplia de lojas que ali encontramos, dedicadas às mais variadas coisas, especialmente a livros e passatempos muito específicos. Mesmo que não apreciem essas coisas vale a pena estar neste ambiente urbano pelo menos uma vez, com os sentidos alerta para captar todas as novidades e particularidades.

Vamos lá começar então. Vou partir do princípio que chegam de metro e saem na estação de St. Michel. Sair pode ser um bocado complexo, pois são imensas as saídas. Quando for a entrar recomendo usarem outra estação, pois, se quiserem usar os RER pode ficar complicado. Saiam numa das várias saídas da Place de St. Michel. Podem apreciar a praça e a sua fonte com as suas esculturas alusivas. Nesta praça vão encontrar várias lojas Gilbert Jeune, cada uma pertencente ao mesmo grupo de livrarias, mas cada uma especializada em vários temas. Se souberem ler francês vão encontrar aqui de tudo a preços fantásticos. Em vez de existir uma grande loja, toda a zona urbana parece um centro comercial de lojas que se conjugam, especialmente neste caso desta livraria. Podem então seguir para a loja Variantes (ponto 1 no mapa), na Rue Saint-André des Arts. A loja não é muito grande nem os preços são muito baixos, mas podem encontrar uma grande variedade de jogos de tabuleiro modernos e outros mais clássicos, de madeira, puzzles e revistas.

Loja Variantes - Rue Saint-André des Arts
Saindo da loja Variantes podem seguir novamente rumo à praça de St. Michel e caminhar pela via assinalada, vão entrar numa das zonas mais turísticas do Cartier Latin. Sigam a multidão pela Rue de La Huchette e dirigiam-se para a Livraria Shakespeare Inc., uma das mais icónicas e famosas do mundo, por ter sido propriedade de um inglês excêntrico que a foi construindo de forma orgânica e caótica. Tentem encontrar um livro em português se forem apaixonados por literatura, caso contrário entrem pelo menos para ver. Depois vão atravessar um pequeno jardim, o parque René Viviane, que pode ser útil para uma pausa de descanso (já aí pararei para confirmar se tinha todos os componentes de um Le Havre usado que tinha acabado de comprar na Star Player). Aqui podem ver a bela Notre Dame à uma distância que lhe eleva a escala e monumentalidade.

Parc René Viviane

Atravessem o parque e metam-se na Rue Lagrange. Ao lado do supermercado, onde podem comprar umas bebidas baratas e algo para comer (se voltarem ao parque à vinda do percurso faz sentido) vão encontrar a Star Player (Ponto 2 do mapa). Esta loja é maior que a anterior e os preços são mais simpáticos. Têm uma grande variedade de jogos de tabuleiro modernos, que neste espaço convivem com Warhammer e muitas miniaturas de todos os tipos. Podem encontrar alguns jogos usados para venda e duas mesas onde podem jogar alguns jogos vossos ou da casa. Um dos donos é lusodescendente. Com sorte podem apanhar lá o Manuel e trocar umas palavras em português com ele.

Loja Star Player - Rue Lagrange

Opcional: Em alternativa em seguirem diretamente para a Star Player, podem fazer um pequeno desvio, e passar primeiro pela loja da Games Workshop, se gostarem especialmente de miniaturas e de Warhammer. Para isso basta voltar à praça de St. Michel e seguir pela Hautefeuille. Depois podem voltar à praça e seguir pelo percurso recomendado.

Continuem pela mesma rua onde estavam e cortem à direita para a Boulevard Saint-German. Aqui vão começar a encontrar mais lojas dedicadas a múltiplos passatempos, alternadas entre livrarias, restaurantes e cafés. Sigam até ao cruzamento da loja Album Comics. Se gostam de revistas de banda desenhada, de filmes e de super-heróis vão adorar esta loja. Vale a pena entrar para ver mesmo que não seja para ver o nível a que chega este passatempo. Se estiverem a precisar de comprar uma varinha magica do Harrt Potter, uma espada do Senhor dos Anéis ou um lightsaber aqui é o local indicado. Tem alguns jogos, mas coisas muito escassa e apenas do âmbito dos temas da loja. Se quiserem ver mais lojas desse género existem mais nas proximidades, por exemplo a Plups Comicis e autra Album na Rue Dante, a caminho do rio e da Notre Dame. Nesta última vão encontrar imensas curiosidades. Aí já adquiri um parta chaves com o “verdadeiro anel” e um punho esquerdo do Hulk que uso como adereço partidário.

Loja Album - Rue Saint-Jacques

Subindo pela Rue Saint-Jacques, na esquina da direita vão encontrar a mítica Jeux Descartes, uma das lojas mais antigas de jogos de tabuleiro de Paris, mesmo em frente à mítica Sarbonne, da Universidade de Paris. Descartes, para além ser o nome do famoso filosofo francês resulta da conjugação das palavras “dados” e “cartas” (“Des” + “Cartes”). No piso térreo encontram jogos mais tradicionais, puzzles, conjuntos de xadrez, jogos para crianças e party games. Se descerem as escadas e chegam aos jogos mais pesados, aos eurogames, wargames e miniaturas. Aqui o efeito de cave cria um ambiente especial, do tipo Dungeon Crawler – isto pode ser apenas imaginação minha. Tal como em todas as outras os jogos estão praticamente todos traduzidos para francês. Os preços são mais elevados que os da loja anterior, mas se dominarem o francês peçam um cartão de cliente. Em compras de 150€ têm um desconto de 10%. Pode fazer a diferença, especialmente nos jogos que estiverem mais baixos. E podem encontrar alguns jogos originais também ou que não tenham dependência de texto.

Loja Jeux Descartes  Rue Saint-Jacques e Rue des Écoles

Podem seguir pela direita à saída da loja, passando pela Sarbonne e pelo local do museu de Cluny, de história, dedicado à Idade Média em particular, construído sobre as ruinas do antigo mosteiro dessa poderosa ordem monástica. Seguindo pela Rue des Écoles chegam a outro cruzamento. Em frente deparam-se com a livraria Gilbert Joseph em que encontrar vários andares de livros novos e em segunda mão a preços fantásticos. Desçam pela Boulevard Saint-Michel, onde se situa a livraria até à Boulevard Saint Germain de novo. Vão encontrar aqui várias cadeias de fast food internacionais, e um Mono Prix onde podem comer e beber umas coisas mais baratas, com sitio para sentar. Se quiserem apostar em coisas mais locais, típicas ou de cozinha do mundo não têm de recorrer à fast food, pois há oferta por todo o lado. Já sabem onde estão, podem ficar por aqui a explorar mais a cidade, apanhar o metro na estação de Cluny-Sarbonne ou voltar a pé para o rio e desfrutar da envolvente da catedral de Notre Dame. Nesta estação de metro existe uma casa de banho paga. Pode ser importante saber isto, pois já estão a andar há algum tempo. Entrar num café para ir à casa de banho não é aceitável, têm de consumir, e um café não custa 50 cêntimos. Nesta zona ainda estão no Cartier Latin. Toda esta zona tem esse nome, por ser o antigo bairro dos estudantes que vinham do mundo latino medieval para estudar na prestigiada universidade medieval de Paris. Apesar da abertura das grandes avenidas no século XIX ainda encontram aqui traços das antigas ruas medievais, com os seus traçados menos lineares e estreitos, criando um ambiente pitoresco. Não podia haver melhor local para existirem tantas lojas de jogos e tabuleiro e muitas outras de interesse “geek”.

Extras:
Mas Paris tem muito mais lojas de jogos, já visitei outras, só que não ficam perto e obrigam a deslocações pelo metro. Uma das mais interessantes, que fica do outro lado do rio, é a Troll2Jeux. Para além de loja tem várias pequenas salas, em pisos desnivelados, onde se estão sempre a jogar coisas, especialmente trading card games como Magic: The Gathering. Mas também podem jogar outros jogos. Para além de uma boa variedade de jogos organizam dias temáticos. Uma das noites por semana é reservada aos jogos de tabuleiro modernos. Os preços são médios.

Para além das lojas ainda existem vários boardgame cafés, locais onde podem ir beber um copo e jogar, ou até comer uma pequena refeição. Existem vários pela cidade. Serão os locais mais apropriados para jogar e conhecer pessoas. Isso fica para outro texto.

Referências:
Todas as fotografias foram obtidas através do Google Maps, através das ferramentas de edição de mapas e do Street View.

sexta-feira, 9 de março de 2018

A conotação negativa da palavra Jogo – Opinião por Micael Sousa

Ao contrário de outras línguas, que separam linguisticamente o jogo de apostas de outros jogos, em português a palavra é a mesma, fazendo com que fique carregada de uma potencial conotação negativa. No caso da língua inglesa há uma outra atenuante que não se verifica na nossa língua. O termo “play” (jogar), que não é sinónimo de “gamble” (apostar ou jogar a dinheiro), pode ser utilizado como ato de praticar, exercitar ou desfrutar de alguma coisa. Por exemplo, “play music” (tocar música). Nós, quanto muito temos outras utilizações para a apalavra “jogo”, tal como “jogo de toalhas” que significa “conjunto de toalhas”. Mesmo assim a conotação negativa da palavra jogo não diminui, quanto muito pode ser ridicularizada. Em Portugal, jogo lembra de imediato casinos, apostas e afins.

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/rolar-os-dados-jogo-de-dados-1502706/

Agora o texto passa para um novo nível de tédio. Eu não queria, mas tenho mesmo de referir uma peça legislativa… Este pode ser o mento da pausa para o café… O Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro assume-se como a “Lei do Jogo”, na sua versão mais atualizada. A descrição não podia ser mais sintomática do preconceito estabelecido perante a palavra jogo. Ao lermos o sumário percebemos que a dita lei é apenas aplicável em jogos de fortuna e azar, na sua exploração económica.

Então, quando usamos o termo “Jogos de Tabuleiro” em Portugal temos de ter algum cuidado. Caso o interveniente ou intervenientes no dialogo não saibam o que são os jogos de tabuleiro modernos, que muitas vezes apelidamos de boardgames propositadamente, é muito provável que faça uma associação com os jogos de fortuna e azar que envolvem apostas monetárias. Dependendo da força deste preconceito o dialogo pode não fluir e podemos facilmente estar a passar a ideia errada, especialmente quando alguns de nós, apaixonados por este hobby, iniciamos uma incursão evangelizadora dos novos jogos. O recetor pode ficar a pensar que a nossa paixão pode ser vício do jogo a dinheiro ou que ganhamos monetariamente alguma coisa com isso.

Uma explicação mais profunda do que são os novos jogos de tabuleiro pode não ser viável, porque quem nos ouve ou lê pode não estar para aí virado. Dificilmente alguém, nos tempos que correm, tem assim tanto tempo de atenção para algo que lhe pareça de imediato desinteressante ou negativo. Podemos não ter tempo para explicar que nos bons jogos de tabuleiro o fator sorte é inexistente ou mitigado por diversos fatores, dependendo tanto quanto possível das opções e mérito dos jogadores. Pode não dar para explicar que não se joga a dinheiro, que não se fazem apostas.

A questão que aqui gostava de deixar prende-se com uma dúvida existencial. Será que em português devemos usar sem restrições a palavra “jogo” nos modernos jogos de tabuleiro?

Provavelmente no Brasil, ou até noutros países, o efeito será semelhante e a questão também se justifica.
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