quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Xadrez - Análise por Micael Sousa

Era inevitável. Mais tarde ou mais cedo teria de fazer uma análise, segundo o método adotado aqui no blogue, para o mais popular jogo de tabuleiro. Não estou a falar do monopólio… porque desse já fizemos. Falo obviamente do Xadrez.


Assumo o risco de ganhar inimizades com estas palavras. Estou a tocar numa vaca sagrada. No fundo, quem sou eu para avaliar um jogo centenário, que simboliza o próprio conceito de estratégia. A influência do Xadrez na cultura ocidental é enorme. Mesmo que seja anacrónico em determinados contextos é irresistível colocar personagens históricas em filmes, os grandes estrategas, a jogar xadrez. Fica bonito. Mesmo que não tenha qualquer relação com a realidade dos factos transmite uma mensagem.

Se pelo monopólio tenho um ódio de estimação, pelo xadrez tenho uma admiração distante. Em ambos casos o efeito é o mesmo: não jogo atualmente nenhum dos dois. Já joguei bastantes ambos, mas isso são coisas do passado. Agora estamos na era dos jogos de tabuleiro modernos, assim caracterizados pela quebra da cultura vigente dos jogos que mudou nos anos 90 do século XX com novos jogos que trouxeram ao setor inovações que não têm parado.

Assim tentei utilizar a nossa metodologia de avaliação para ver quais os resultados que daria no caso do Xadrez. A dificuldade é grande. Para avaliar os componentes é necessário fixar a referência no standart, pois existem conjuntos maravilhosos de Xadrez. Sobre as mecânicas, é injusto compara-las com o design da atualidade. Para muitos jogos modernos o Xadrez é um trisavô. O jogo tem séculos e durante muito tempo foi do melhor que havia disponível.

Apesar do jogo ter tido uma nota final bem positiva, mais de 7, está longe do 10, da nota máxima que muitas pessoas seguramente defenderiam. Vamos então perceber aquilo que uma grande maioria dos jogos mais recentes conseguem fazer e que o xadrez não faz. O tempo de jogo pode ser incrivelmente longo. Usou-se um tempo de referência de 1 hora, mas uma partida pode levar bem mais tempo. O tempo de análise de cada jogada, em que se força o adversário a esperar, podendo dar origem à fatídica “paralisia de análise” (analysis paralysis – AP), gera situações potencialmente insuportáveis. A limitação de ser jogado apenas a 2 jogadores tem a sua importância, pois não favorecem um convívio social na mesma escala que outros jogos. Ao ser um jogo de confronto, do tipo wargame, gera também uma tensão de conflito que pode ser desagradável. Ao nível do tema também parece haver muita superficialidade. No fundo é um jogo abstrato. A replicabilidade também pode ser uma questão, mas que é tão verdade para o xadrez como para qualquer outro jogo em que se jogue constantemente sem mudar. Ainda assim se justifique múltiplas jogadas dado o grau da curva de aprendizagem para dominar bem o jogo de forma competitiva. Devido ao nível abstração e desenvolvimento tático, o xadrez sobrevive muitíssimo mais que outras opções aos efeitos da repetição de jogadas.

Agora tenho de passar às comparações com os jogos modernos. O Xadrez continua a ser imensamente popular. Faz sentido, especialmente porque existe toda uma organização social e desportiva além do jogo. No entanto, quando comparamos com os jogos de tabuleiro modernos, podemos facilmente encontrar alternativas com o grau de estratégia que tem o xadrez, mas com mais potencial de sociabilização, diversão, capacidade de aprofundar conhecimento e competências noutras áreas e temáticas. Podemos encontrar jogos mais rápidos, sérios ou divertidos, de todos os tamanhos e opções. Uns em que não há confronto, em que são avaliadores de eficiência, ou então colaborativos só para falar em algumas alternativas.

O Xadrez será o antepassado de muitos jogos, merecendo respeito por isso, especialmente porque é um antepassado bem vivo e presente. Com o tempo os descendentes crescem e ganham o seu próprio espaço. Comparar o Xadrez com todos os outros jogos é absurdo, na mesma medida em que também parece estranho jogar toda a vida o mesmo jogo, achando que não se pode inovar.

Jogo: Xadrez (versão standart)
Ano: ?
Avaliador: Micael Sousa
Tipo: Estratégia
Tema: Medieval/Abstrato
Preparação: 5 minuto
Duração: 60 minutos
Nº de Jogadores: 2
Nº Ideal de jogadores: 2
Dimensão: Médio
Preço médio: 15€
Idade: 6+

Qualidade dos Componentes: 8
Dimensão dos Componentes: 8
Instruções/Regras: 10
Aleatoriedade: 10
Replicabilidade: 8
Pertinência do Tema: 5
Coerência do Tema: 5
Ordem: 7
Mecânicas: 8
Grafismo/Iconografia: 8
Interesse/Diversão: 5
Interação: 8
Tempo de Espera: 2
Opções/turno: 8
Área de jogo: 9
Dependência de Texto: 10
Curva de Aprendizagem: 3

Pontuação: 7,21

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Majesty: For the Realm - Análise por Micael Sousa

Majesty: For the Realm é o mais recente jogo de Marc André, designer que ficou conhecido por Splendor. Esta nova criação assemelha-se em alguns aspetos a Splendor. Trata-se de um jogo mais rápido mas há ali qualquer coisa de semelhante, sem que seja o formato das fichas de pontos, muito parecidas com as pedras preciosas.

Fonte da imagem: https://www.zmangames.com/en/products/majesty-for-the-realm/

Em Majesty devemos construir um conjunto de 12 cartas que fazem que, quando colocadas na nossa área de jogo ativam efeitos, individuais e cumulativos, da carta em causa mas também de combinação com outras cartas. O jogo é bastante rápido porque, no fundo, consiste em realizar 12 escolhas e tentar pontuar o máximo com isso, competindo com os outros jogadores. As combinações são múltiplas. Para além do efeito gestão de conjuntos pode gerar-se um mini motor de produção de pontos, embora muito simples, tendendo mais para o típico "set collection" que "engine builder".

Neste jogo existe uma boa dose de interação, quer seja aproveitando bónus por os adversários jogarem determinadas cartas que também pontuam para nós, mas principalmente pelo efeito de ataque às cartas adversárias. As cartas simbolizam pessoas que vivem no reino de cada jogador. Cada personagem tem o seu efeito, pelo que podem ser atacadas, não sem podermos também usar de alguma precaução e, previamente, garantir cartas que também defendem dessas agressões. No entanto nada é definitivo, há sempre possibilidade de recuperar as cartas atacadas. 

Majesty é um pequeno jogo, um filler - "um tapa buracos" - com substância. Jogando uma vez é muito provável que se joguem de seguida meia-dúzia mais de vezes. Um jogo a dois jogadores pode durar apenas 10 minutos. Se os jogadores forem rápidos em 20 minutos joga-se a 4 pessoas. O jogo escala bem, sendo interessante em qualquer número de jogadores, ficando mais dinâmico e imprevisível quantos mais adversários estiverem a competir. A 2 jogadores fica mais calculista e previsível, mais igualmente interessante por podermos mais facilmente seguir com um plano inicialmente traçado. 

O jogo tem dois modos, um mais básico e outro, supostamente mais complexo. Seria interessante existirem mais cartas para que se pudessem criar mais cenários que definem o sistema de pontuação das cartas de personagem, porque na prática, apesar de cada edifício, dos 7 disponíveis para os 7 tipos de personagens, terem dois lados e serem constituídos por cartas individuais, parece que falta aqui qualquer coisa. Provavelmente será já uma pré-adaptação para futuras expansões, coisa que parece mais que natural vir a existir no futuro.

O grafismo e componentes boa qualidade. As peças de pontos de vitória são interessantes, podem fazer parecer a alguns jogadores que se tratam de peças de poker. O sistema de compra de cartas, muito parecido com Century: The Spice Road também está interessante, sendo mais um componente para manusear.

Jogo: Majesty: For The Realm
Ano: 2017
Avaliador: Micael Sousa
Tipo: Gerir Conjuntos
Tema: Medieval
Preparação: 5 minuto
Duração: 20-30 minutos
Nº de Jogadores: 2 - 4
Nº Ideal de jogadores: 2 - 4
Dimensão: Pequeno
Preço médio: 30€
Idade: 7+

Qualidade dos Componentes: 9
Dimensão dos Componentes: 9
Instruções/Regras: 9
Aleatoriedade: 7
Replicabilidade: 7
Pertinência do Tema: 5
Coerência do Tema: 5
Ordem: 6
Mecânicas: 6
Grafismo/Iconografia: 8
Interesse/Diversão: 8
Interação: 8
Tempo de Espera: 8
Opções/turno: 8
Área de jogo: 9
Dependência de Texto: 9
Curva de Aprendizagem: 9

Pontuação: 7,60


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Qual a origem dos Meeples? - Por Micael Sousa

Na comunidade de boardgamers usamos o termo Meeple quase sempre sem questionar as suas origens. Mesmo os novatos, apesar de alguma estranheza inicial, rapidamente adotam a palavra. Esta peculiaridade exige alguma origem, mais ou menos curiosa, para a palavra, uma vez que apenas se usa no contexto dos jogos de tabuleiro mais recentes. Essas pequenas peças de formato estilizado humano, que começaram por ser de madeira e a seguir o mesmo formato, mudaram com os anos. Hoje encontramos Meeples de todos os tipos, tamanhos, formas e materiais.

Fonte da imagem: http://www.polyhedroncollider.com/2012/04/shiny-happy-meeple-carcassonne-review.html

Para tentar descobrir as origens da palavra Meeple optei por fazer uma pesquisa online. Nas primeiras referências surgem algumas descrições materiais. A título de exemplo, um Meeple é uma pequena peça de madeira representando um jogador num jogo de tabuleiro moderno. Com o tempo passaram a ser assumidos como símbolos dos jogos de tabuleiro modernos (1). De notar que este site (1) caracteriza os jogos como sendo “modernos”, quando as outras fontes citadas posteriormente não optam por essa designação, especialmente o Oxford English Dictionary (3).

Depois a pesquisa produz outras informações relacionadas com as primeiras explicações para a origem da palavra, onde lemos que o termo remonta a 2000, quando Alison Hansel, durante um jogo de Carcassonne, conjugou os termos “My” e “People”, criando o neologismo “Meeple”. Em português quer dizer qualquer coisa como “A minha gente”, “As minhas pessoas”, etc. Carcassonne terá sido o primeiro jogo a utilizar as peças posteriormente conhecidas por meeples (2), tendo o jogo sido lançado no ano de 2000.

Mas se pensavam que as fontes recolhidas remetiam apenas para conteúdos do tipo “wiki” ou sítios da internet informais, que são conotados como falta de rigor informativo e científico, enganem-se. O Oxford English Dictionary tem uma entrada para a palavra meeple, onde podemos ler que se trata de um substantivo, que representa uma pequena figura de jogo de certos jogos de tabuleiro, caraterizando-se por uma forma humana estilizada. Quanto à origem do termo o dicionário não é perentório como as anteriores. Diz apenas que foi uma palavra surgida no início do século XXI, através da conjugação fonética derivada do termo “people” (pessoas) e que terá surgido no contexto do jogo Carcassonne (3).

Escavando um pouco mais na Internet descobri uma publicação na rede social Google+ que aprofunda a história da origem dos meeples. Nessa rede social, Gray Mattew, refere que estava com Alison Hansel em 2000 na convenção de Essen, na Alemanha, quando ela criou a nova palavra, contraindo os dois termos originais “My + People”. Mattew refere que a associação foi imediata assim que Alison viu o jogo Carcassonne, mas alerta que pensou na altura que pudesse ser uma remanescência associativa à palavra alemã “Poppel”, uma vez que Alison teria vivido na Alemanha até há pouco tempo naquela data. Mattew admite também que o uso da palavra possa ter sido anterior, mas que nessa altura foi a primeira vez que a ouviu. Como Alison Hansel participou posteriormente nas dinâmicas de vários grupos de entusiastas da crescente comunidade jogos de tabuleiro nos EUA, especialmente em Boston, tudo indica que o termo se tenha rapidamente disseminado, especialmente para caracterizar os jogos de origem alemã que usavam aquele tipo de peças e que chegavam ao mercado internacional em força.

Podemos constatar que subsistem algumas dúvidas. Será que Alison Hansel foi mesmo a primeira pessoa a usar o termo Meeple? Será que Carcassonne foi mesmo o primeiro jogo a ter aquele tipo de peças, uma vez que a produção de jogos alemães que nunca saíram do seu nicho é muito considerável? Seja como for fica aqui uma possível explicação para a origem da palavra. Certo é que os Meeples se assumiram como os ícones dos jogos de tabuleiro contemporâneos um pouco por todo o mundo. Ou será que devemos dizer jogos de tabuleiro modernos? Fica esse debate para um futuro texto aqui no blogue.

Referências bibliográficas:
(1) What is a meeple?. Happy Meeple, http://www.happymeeple.com/en/media/what-is-a-meeple/
(2) Meeple, Wikitionary, https://en.wiktionary.org/wiki/meeple
(3) Meeple, Oxford English Dictionaries, https://en.oxforddictionaries.com/definition/meeple
(4) Gray Mattew (2015), “I Was there when Alison Hansel coined the word “meeple” and now it’s in the OED", https://plus.google.com/+MatthewGray/posts/ZLEyjQTvTFW
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