sábado, 13 de maio de 2017

Quantas vezes tenho que jogar um jogo antes de o poder analisar? - Opinião por Pedro Sousa e Silva

Embora este blog cada vez mais se dedique a reflexões e artigos de opinião sobre aspetos transversais aos jogos de tabuleiro e seu impacto fora da mesa, não deixa de ser verdade que na origem do blog estava a intenção de fazer análise dos jogos e que essa modalidade de artigo continua a aparecer de vez em quando.

Não é só nos jogos que a possibilidade de obter opiniões e análises criteriosas acerca dos artigos antes de os comprar se revelou uma vantagem significativa para o consumidor, tanto que a maioria das grandes lojas online, como a Amazon por exemplo, permitem aos utilizadores deixar as suas opiniões sobre os artigos comprados. Nos jogos de tabuleiro, esta questão torna-se particularmente relevante pois os jogos tendem a ser caros e a variedade é imensa, sendo difícil aferir a qualidade do produto antes de o jogar - tal como não se pode julgar um livro pela capa, não se pode julgar um jogo de tabuleiro pela caixa.

Fonte da imagem: http://www.savagechickens.com/2010/01/board-game.html

Assim, veio a ser cada vez mais relevante o papel dos analistas de jogos na comunidade de jogadores de jogos de tabuleiro, tendo-se mesmo estabelecido alguns que se tornaram famosos nessa prática, como por exemplo o “Rahdo runs through”, os “Shut up and Sit Down”, ou a “Dice Tower Reviews”. Também o essencial website Boardgamegeek desempenha um papel de grande utilidade ao coligir informações, avaliações, opiniões e dados estatísticos sobre os jogos através dos contributos da comunidade. E não faltam pequenos revisores de jogos que, não sendo muito salientes na internet, dão os seus cinquenta cêntimos em plataformas como este blog.

Com tanta gente a analisar jogos, chega-se a um ponto em que existe tanta informação disponível, por vezes contraditória (não temos que gostar todos do mesmo!), que começaram a ser discutidas questões sobre a qualidade das análises, surgindo algumas observações pertinentes e outras que colocam em causa a legitimidade de certas publicações.

E a questão que quero abordar entra em ambas categorias: quantas vezes tenho que jogar um jogo antes de o poder analisar?

Esta questão é pertinente pois os jogos de tabuleiro habitualmente têm uma complexidade intrínseca, e mesmo quando as regras são simples é normal depararmo-nos com uma profundidade estratégica inesperada. Raro é o jogo onde não exista uma curva de aprendizagem relevante, e será justo aplicar o provérbio de que “o primeiro milho é para os pardais”, na medida em que na primeira vez que se joga todos os jogadores estão ainda a explorar o jogo sem uma noção estratégica definida, sendo a primeira vitória um fraco indicador de competência futura.

Há, no entanto, quem não tenha pejo em avaliar jogos - mesmo os complexos - logo após a primeira vez que o jogam. Tendo em conta o que escrevi acima, isto faz algum sentido? Como é que alguém pode pronunciar-se sobre um jogo que ainda nem sequer compreendeu? É com este argumento que algumas pessoas colocam em causa a legitimidade de algumas análises e apenas reconhecem valor à opinião de quem é muito batido no jogo que avalia, mas eu acredito que esta é uma falsa questão.

Basta refletir sobre os hábitos de um típico jogador que assumo corresponder ao perfil dos nossos leitores: tem a sua modesta coleção de jogos que gosta de ir aumentando ocasionalmente, desloca-se a encontros de boardgamers para jogar com amigos e experimentar coisas novas. Tal como o Micael opinou neste artigo, existe uma tensão permanente entre regressar aos jogos favoritos ou experimentar jogos novos - com tanta oferta disponível, nunca sabemos se aquele jogo que alguém trouxe hoje vai ser o nosso novo favorito, mas sendo o tempo um recurso tão curto, temos frequentemente que optar entre regressar ao velho favorito ou experimentar essa novidade, não sendo possível fazer ambos.

Isto leva a que sejam muitos os jogos que até nos pareceram interessantes e seríamos capazes de experimentar outra vez com uma estratégia mais bem delineada, mas na prática não voltamos a jogar pois há sempre outras novidades ou outros jogos aos quais temos mais urgência em regressar.
Portanto, se aceitarmos esse facto que existirão muitos jogos que realmente só jogaremos uma vez, torna-se fácil perceber a relevância de análises feitas por quem só jogou os jogos uma vez: as opiniões escritas por quem só teve a primeira impressão do jogo e nunca descobriu as suas nuances mais profundas é uma representação mais fiel da experiência que provavelmente terei quando EU também só for jogar o jogo uma vez e da mesma forma não descobrir essas nuances. Para estimar qual será a minha primeira impressão de um jogo (que frequentemente determinará se ele volta a ser jogado), a análise mais fiel é a da primeira impressão de outrem! Muitas qualidades que só podem ser encontradas ao regressar ao jogo simplesmente não se aplicariam na minha situação se eu próprio não regressar, e então sentir-me-ei defraudado por uma análise que explore todas essas qualidades para eu depois não as encontrar na minha experiência de jogo.

Do modo como eu vejo esta questão, o grau de envolvimento e regresso a um jogo determina a experiência que se obtém dele: alguns são muito giros mas esgotam-se depressa, outros começam por ser um frete mas acabam por se tornar altamente interessantes. Cabe a cada um saber o que pretende ou espera realisticamente obter do jogo sobre o qual se está a informar, e então ir em busca das análises que correspondam a esse tipo de utilização.

Termino esta reflexão sugerindo que em futuras avaliações de jogos neste blog passe a constar também a informação de quantas vezes o avaliador já o jogou.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

O design gráfico e os componentes influenciam a qualidade dos jogos de tabuleiro - Opinião por Micael Sousa

É inegável que o desgin gráfico nos jogos de tabuleiro tem evoluído bastante. Se há uns anos eram os jogos de estilo americano, coleccionáveis, associados a marcas registadas, de acção e conflito dinâmico que apostavam mais no design gráfico e na qualidade dos componentes, hoje já não é bem assim.

Se antigamente o típico jogo de estilo europeu, de gestão, estratégico, onde as mecânicas de jogo sobressaiam por si apesar do pouco impacto visual dos componentes materiais do jogo, agora a realidade parece ser outra. Parece que estamos a chegar ao fim dos jogos feios e por isso mais baratos, independentemente da qualidade e experiencia de jogo vividas que proporcionam. Bem, isto não é toalmente verdade. Não se pode generalizar de forma absoluta porque a componente gráfica pode mudar muito a experiência de jogo, podendo um singelo cubo ser mais impactante num modelo de jogo que noutro. Sem o mínimo de tratamento gráfico o jogo pode ficar muito difícil ou até impossível de jogar. Quando o design gráfico é mau ou inexistente nos tabuleiros, cartas e outros elementos de jogo os próprios jogos podem ficam impossíveis de ler e apreender de forma agradável. Ou seja: onde termina o meu território?; que cor é esta?; isto aponta para onde?; não consigo ler isto!; os cubos não cabem aqui!;  isto não encaixa!; este “setup” do jogo é impossível!; estas imagens são horríveis!; isto é anacrónico para esta época histórica!; isto é simplesmente feio!; O quer dizer isto?

 A questão que queria lançar passa por tentar perceber se na prática o design gráfico é assim tão importante e influencia a qualidade geral do jogo?

Convém reforçar aqui as minhas preferências pessoais. Sou um claro eurogamer, prefiro a gestão e dinâmica dos jogos de tabuleiro de inspiração alemã, embora também jogue outras coisas mais hibridas. Talvez só na perspetiva de um eurogamer é que estas observações podem fazer algum sentido, se é que fazem algum sentido de todo.

Provavelmente vamos deixar de ver tantos jogos cujos componentes são apenas alguns cubos de madeira ou uns meeples sobre um tabuleiro ou cartas que não impressionam visualmente. Alguns jogos de tabuleiro da era moderna, mas já clássicos, estão a apostar em reedições com mudanças gráficas relevantes e melhoria nos componentes. Apesar disto poder agradar e captar a atenção de novos jogadores os preços aumentam, por vezes quase para o dobro.

Os jogos tendem a ser mais caros, com produções mais elaboradas e originais; Influenciam a experiência de jogo e captam mais a atenção de quem observa de fora, sendo evidente a importância do papel do designer gráfico no produto final. Parece-me também que o aprimoramento das mecânicas dos jogos de tabuleiro, que foi surgindo a partir dos anos 90, está agora a chegar ao design gráfico e de componentes, tendendo para um design integrado cada vez mais forte. O uso de miniaturas diferenciadas é uma tendência inegável. O grafismo dos tabuleiros com cores mais vivas e exuberantes, iconografias próprias, elementos físicos adicionados para simular aleatoriedade e outras dinâmicas de jogo vão sendo adicionados. Os próprios componentes estão mais interrelacionados com as diferentes mecânicas de jogo, com produções próprias mais dispendiosas é claro. Por vezes essas mecânicas são semelhantes a coisas já feitas, mas a nova oportunidade de as conjugar com novas peças físicas pode criar novas experiências pro si só e um modo jogar o jogo diferente.

Será então que estas mudanças gráficas são relevantes e nos fazem optar por um jogo e não por outro, que as utilize ou dispense?

Admito que isso pouco me importava, mas agora sou levado a preferir produtos mais bem desenhados graficamente e com componentes próprios e originais, mas cada caso é um caso. Agradam-me miniaturas, mesmo que não sejam híper realistas, mas que representem e encaixem bem no jogo, que sejam relevantes para o exercício de o jogar. O facto de ter mais umas peças para ajudar á simulação agradam-me, pois melhoram o potencial da experiência. No entanto, ter simplesmente umas peças novas e mais interessantes não é condição suficiente para o jogo ser bom, trata-se apenas de melhorar o que por si já deveria ter qualidade ou ter potencial de com essas adições vir a ser ainda melhor. Cubos bonitos, miniaturas animadas, peças que se movimentam no tabuleiro podem ser interessantes, mas por si só não fazem um bom jogo de tabuleiro.

Estas preferências podem ser subjectivas – e são seguramente -, mas o nosso mundo de consumo é altamente influenciado pelas técnicas de marketing e de design de produto. Por vezes o produto, na sua essência, pode mudar e fazer crescer o interesse do mercado por ter um tratamento cosmético. Mas quando se leva o design mais a fundo, para além das aparências exteriores, a satisfação com o produto pode ser muito maior. Assim, por mais que valorizemos as mecânicas de jogo e experiencias imateriais que o próprio jogo proporciona, o aspeto gráfico e físico não podem deixar de ser considerados num jogo de tabuleiro, como em quase tudo o que seja produção humana utilitária e criativa.

Em resumo, o que pretendo dizer e sou levado a concluir é que o futuro dos jogos de tabuleiro passa pela produção de produtos que devem resultar de uma integração de concepção de design gráfico, de materiais e das mecânicas de jogo. Parece-me que está a chegar ao fim a era das colagens e aproveitamentos de elementos indiferenciados. Estaremos a entrar na era do design integrado aplicado aos jogos de tabuleiro?
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